GANHAM O ESTADO E A SOCIEDADE

Uso de máquinas caça-níqueis domina debate sobre Marco Regulatório dos Jogos

Professor de Direito diz que as legislações de alguns países excluem jogadores compulsivos de casas de jogos

A limitação do funcionamento de máquinas caça-níqueis no caso de liberação dos jogos dominou a discussão da audiência pública da Comissão Especial do Marco Regulatório dos Jogos, nesta quarta-feira (4).

O colegiado ouviu o procurador da República Guilherme Schelb e o professor de Direito Carlos Emmanuel Ragazzo, da Fundação Getúlio Vargas. A audiência foi acompanhada por manifestantes do movimento Brasil sem Azar, que exibiram cartazes relacionando a atividade com vícios e crimes.

Schelb se disse contrário à legalização de cassinos, em especial as modalidades de máquinas caça-níqueis e pôquer eletrônico. “Quando falamos em cassinos, falamos em máquinas caça-níqueis, e o público delas é a população de baixa renda”, disse o procurador, para quem a faixa mais suscetível de adquirir o vício do jogo é a dos jovens.

“O crack do jogo de azar é a máquina caça-níqueis. Porque é pequeno o espaço entre a aposta e o resultado”, disse. Ele citou estatística que aponta que o vício do jogo entre adolescentes americanos é de 6%, enquanto que na população adulta é de 2%.

Para Schelb, as máquinas caça-níqueis são perversas para a economia de regiões mais pobres. “Na periferia de Maceió, foi verificada a queda no consumo de pães depois da instalação de máquinas caça-níqueis”, informou.

Outros países

Já o professor Ragazzo apresentou aos deputados modelos de regulação dos jogos existentes em outros países. No caso dos jogadores compulsivos, também conhecidos como ludopatas, ele citou legislações que excluem essas pessoas de casas de jogos – voluntariamente ou não.

Em relação à questão do licenciamento, ou seja, a concessão de licenças para exploração de jogos, segundo ele, é importante a seleção. “Não se pode deixar quem tem antecedentes criminais entrar na atividade”, disse.

A comissão especial foi criada há seis meses para analisar 14 projetos de lei, alguns deles em tramitação há 25 anos (PL 442/91 e apensados), que legalizam os jogos no País.

Esses 14 projetos serão transformados em uma proposta única, o chamado Marco Regulatório dos Jogos, que pretende liberar e disciplinar o funcionamento de modalidades hoje proibidas, como os cassinos, o jogo do bicho, bingos e máquinas caça-níqueis.

O relatório preliminar deve ser apresentado na próxima semana pelo relator, deputado Guilherme Mussi (PP-SP).

Monopólio da Caixa

Os deputados também debatem acabar com o monopólio da Caixa Econômica Federal sobre as loterias e permitir que cada estado promova sua própria loteria – o que só acontece hoje em quatro estados.

Viciado

Schelb e Ragazzo foram convidados a pedido do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), que é contrário à liberação dos jogos. “Muita gente defende os jogos com o argumento do aumento de investimentos e da arrecadação. Mas não tem almoço grátis. Claro que vai vir capital. Eu conheço caso, na minha família, de pessoa que perdeu um restaurante jogando no 21. Mas para recuperar é igual viciado em droga, que tem índice de recuperação baixíssimo”, disse.

O presidente da comissão especial, deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), defendeu a regularização como forma de evitar o aumento do número de viciados e riscos de lavagem de dinheiro e favorecimento ao crime organizado.

“A grande questão é fazer de conta que não existe o jogo ou fazer uma legislação rigorosa”, disse. Segundo ele, o objetivo da comissão não é permitir a jogatina no País, mas disciplinar e tirar a atividade da clandestinidade, permitindo o aumento da arrecadação e a formalização de empregos.

“As informações que temos é de que existem 500 mil máquinas caça-níqueis nos lugares mais pobres. Queremos reprimir isso regulando, transformando em crime federal. Queremos restringir ao máximo, sobretudo máquinas caça-níqueis, limitando isso aos grandes cassinos, que serão no máximo 30 no Brasil”, disse.

Aumento da arrecadação

O deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP) defendeu a legalização do jogo. “Daqui a cinco anos, o Brasil estará arrecadando mais de R$ 100 bilhões com os jogos. Vamos regulamentar uma coisa que já existe no Brasil e o governo não arrecada nada”, disse.

O deputado Ezequiel Teixeira (PTN-RJ) criticou o argumento. “A aprovação não é adequada nem com a justificativa do incremento da arrecadação. O ser humano virou desprezível, só se fala em arrecadação. Daqui a pouco vamos legalizar os traficantes e a prostituição com a justificativa da arrecadação”, disse.

Senado

O Marco Regulatório dos Jogos pretende revogar três decretos-leis editados entre 1941 e 1946, ou seja, há mais de 70 anos, que proibiram os cassinos no País e tornaram o jogo do bicho ilegal (Decreto-Lei 6.259/1944; os arts. 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57 e 58 do Decreto-Lei 3.688/1941 - Lei das Contravenções Penais; e o Decreto-Lei 9.215/46).

Uma proposta parecida (PLS 186/14) está em avançado estado de tramitação no Senado, onde o Marco Regulatório dos Jogos já está pronto para ser votado no Plenário. A proposta contempla o funcionamento do jogo do bicho, cassinos e bingos – nos modelos presencial e online. Os deputados analisam acrescentar loterias estaduais e disciplinar o funcionamento de caça-níqueis.

Na proposta de legalização em tramitação no Senado um órgão do governo federal ficará encarregado de liberar licenças para cassinos, bingos e empresários do jogo do bicho.

Jogo do bicho

No caso do jogo do bicho, a fiscalização da atividade ficaria a cargo dos municípios e do Distrito Federal. E as autorizações teriam prazo determinado.

De acordo com o Instituto Brasileiro Jogo Legal, o jogo do bicho, mesmo clandestino, movimenta por ano R$ 12 bilhões e a legalização vai permitir a criação de 450 mil empregos formais.

A proposta em tramitação no Senado autoriza apenas 35 cassinos no País, com no máximo três estabelecimentos desse tipo por estado. Mas existem sugestões para que esse número seja maior.

Segundo o Instituto Brasileiro Jogo Legal, existem 535 cassinos na América Central e na América do Sul – e só a Argentina tem 160.

A proposta do Senado também estabelece o limite de uma casa de bingo para 250 mil habitantes. A exceção é o Distrito Federal, com uma casa de bingo para 150 mil habitantes. (Agência Câmara - Antonio Vital e Foto: Antonio Augusto)