Há mais de seis meses uma comissão especial
da Câmara analisa 14 projetos de lei, alguns deles em tramitação há 25 anos,
todos eles com um objetivo claro: legalizar os jogos no país.
Esses 14 projetos serão transformados em uma
proposta única, o chamado Marco Regulatório dos Jogos. E a intenção é permitir
e disciplinar o funcionamento de modalidades hoje proibidas, como cassinos,
jogo do bicho, bingos e máquinas caça-níqueis.
O roteiro para que isso aconteça já está
traçado.
Uma proposta parecida (PLS 186/2014) está em
avançado estado de tramitação no Senado, onde o Marco Regulatório dos Jogos já
está pronto para ser votado no Plenário.
Assim que isso acontecer, a proposta segue
para a Câmara e será incorporada pela comissão já em funcionamento, o que vai
resultar em um projeto único que, se aprovado com mudanças, terá que ser
apreciado novamente pelo Senado.
Se o plano correr conforme quer a maioria da
comissão especial, quando voltar para o Senado, as mudanças feitas na Câmara já
terão sido negociadas com os senadores, o que vai apressar todo o processo.
O relator do projeto na comissão, o deputado
Guilherme Mussi, do PP de São Paulo, tem feito reuniões com senadores sobre as
mudanças que pretende fazer na Câmara.
Ele já se encontrou com o relator do projeto
lá, o senador Blairo Maggi, e admite que a Câmara tem pressa:
"Esse relatório
tem que ser construído em conjunto com toda a comissão, como eu venho
discutindo com o senador Blairo. Já tivemos mais de dez reuniões, discutindo
alguns pontos do relatório dele e espero que a gente consiga construir um
relatório de maior consenso possível dentro dessa comissão para que ele saia já
forte para o Plenário da Câmara dos Deputados, que eu tenho um compromisso com
o presidente da Câmara de votar esse relatório o mais rapidamente possível,
assim que ele sair dessa comissão."
Se tudo correr conforme o previsto, é
possível que até o fim do ano o Congresso autorize atividades proibidas há 70
anos.
O tema é polêmico. Muita gente é contra a
legalização e relaciona os jogos com crimes como lavagem de dinheiro e
corrupção. Por isso, a preocupação do presidente da comissão, deputado Elmar
Nascimento, do Democratas da Bahia, com a definição de penas duras para punir
criminosos:
"Nós estamos
mexendo com uma coisa muito séria, que vai mexer com muito dinheiro. A partir
do momento que se regulamenta e regulariza os jogos no Brasil, eu acho que nós
devemos dar penas à altura desse tipo de legalização. Atribuir penalidades do
nível da lavagem de dinheiro, com pena de reclusão em regime fechado. Só assim
se deve liberar esse tipo de coisa."
Em tempos de crise econômica, desemprego e
pouco dinheiro nos cofres dos governos federal, estaduais e municipais, a
liberação dos jogos ganha força e apoios. Uma das pessoas ouvidas pela comissão
da Câmara foi o presidente do Instituto Brasileiro Jogo Legal, Magno Santos de
Sousa. Ele fez os cálculos e afirma que só a movimentação dos jogos ilegais
hoje está na casa dos bilhões:
"O total de
apostas ilegais no país, hoje, gira em torno de 14,2 bilhões de reais."
Para o deputado Arnaldo Faria de Sá, do PTB
de São Paulo, o jogo já é praticado e sua legalização vai aumentar a
arrecadação:
"Temos que
aproveitar o momento. O momento é de dificuldade econômica do país. Fala-se da
tal da CPMF. Nós podemos dar muito mais do que uma CPMF com a aprovação do
nosso projeto. Infelizmente está cheio de avestruz nesse país. Todo mundo sabe
que o cara joga no Paraguai, joga no Uruguai, joga em locais clandestinos dentro
do país. Pega esses navios aí de cruzeiro, dentro do país, vão lá dentro do
navio, jogam aqui. Isso quando a pessoa não vai jogar lá em Las Vegas, olha o
absurdo da história."
Outro defensor da liberação, Nelson
Marquezelli, do PTB de São Paulo, rebate a crítica de que o jogo vicia. Para
ele, é uma questão de liberdade de escolha:
"Eu mesmo
trabalho com um produto que vicia. Eu sou um dos maiores revendedores da AMBEV
do interior de São Paulo. Eu vendo cerveja e a aguardente 51 é de lá, de
Pirassununga. Vamos fechar a fábrica? Quantas fábricas de cigarro no Brasil,
que dá câncer, dá isso, vicia, pinta o sete. Regulamentação. Nós temos que dar
oportunidade para o livre arbítrio do indivíduo. Quer jogar? Joga."
Mas a legalização não é unanimidade na
comissão, como diz o deputado Luiz Carlos Hauly, do PSDB do Paraná:
"Essa comissão
foi montada para aprovar o jogo, não para discutir. A intenção da comissão,
quando eu soube, fui avisado de que teria a comissão instalada, já estava com
mais de tantas sessões, 30 sessões, imediatamente pedi para vir para cá, para
estabelecer o contraditório, que tenho feito há 25 anos nessa casa".
Para o advogado Paulo Fernando Melo, do
Movimento Brasil sem Azar, ao contrário do que afirmam os defensores da
legalização dos jogos, a legalização não vai melhorar a economia:
"A legalização
do jogo é abrir a porta do imprevisível. Não sabemos onde vamos parar. O jogo
não cria nenhuma riqueza. Não aumenta o nosso Produto Interno Bruto. Por quê?
Porque o dinheiro apenas sai da família e passa então para os grandes
empresários."
Os argumentos contra a legalização do jogo
vêm também do Ministério Público Federal. Peterson de Paula Pereira, secretário
de Relações Internacionais da Procuradoria-Geral da República, explica por quê:
"Nós temos uma
indústria que vive na clandestinidade, que tem singularidade, está envolvida
com várias atividades criminosas, seja na lavagem de dinheiro, evasão,
corrupção, sonegação fiscal."
Uma das mudanças que a Câmara deve fazer no
projeto que está no Senado é permitir que os estados criem suas próprias
loterias, acabando com o monopólio da Caixa Econômica Federal.
Confira, no segundo capítulo da reportagem
especial: proposta do marco regulatório dos jogos no Brasil prevê criação de
loterias estaduais.
(Clique aqui
e ouça a reportagem na Rádio Câmara - Reportagem – Antônio Vital - Edição – Mauro
Ceccherini - Trabalhos Técnicos – Ribamar Guimarães)