GANHAM O ESTADO E A SOCIEDADE

Legalização dos jogos no Brasil: prós e contras - Bloco 1

Proposta do marco regulatório dos jogos, que pode ser votada ainda neste ano, quer legalizar cassinos, jogo do bicho, bingos e caça-níqueis. Quem é a favor alega que o jogo pode arrecadar mais que a CPMF, num momento de crise; e que os brasileiros acabam gastando em cassinos no Uruguai e mesmo em cruzeiros na própria costa brasileira. Quem é contra teme a corrupção, a lavagem de dinheiro, o vício e o crime organizado; e questiona se os prejuízos não seriam maiores que os lucros gerados? Este é o tema da reportagem especial desta semana, em 5 capítulos.

Há mais de seis meses uma comissão especial da Câmara analisa 14 projetos de lei, alguns deles em tramitação há 25 anos, todos eles com um objetivo claro: legalizar os jogos no país.

Esses 14 projetos serão transformados em uma proposta única, o chamado Marco Regulatório dos Jogos. E a intenção é permitir e disciplinar o funcionamento de modalidades hoje proibidas, como cassinos, jogo do bicho, bingos e máquinas caça-níqueis.

O roteiro para que isso aconteça já está traçado.

Uma proposta parecida (PLS 186/2014) está em avançado estado de tramitação no Senado, onde o Marco Regulatório dos Jogos já está pronto para ser votado no Plenário.

Assim que isso acontecer, a proposta segue para a Câmara e será incorporada pela comissão já em funcionamento, o que vai resultar em um projeto único que, se aprovado com mudanças, terá que ser apreciado novamente pelo Senado.

Se o plano correr conforme quer a maioria da comissão especial, quando voltar para o Senado, as mudanças feitas na Câmara já terão sido negociadas com os senadores, o que vai apressar todo o processo.

O relator do projeto na comissão, o deputado Guilherme Mussi, do PP de São Paulo, tem feito reuniões com senadores sobre as mudanças que pretende fazer na Câmara.

Ele já se encontrou com o relator do projeto lá, o senador Blairo Maggi, e admite que a Câmara tem pressa:

"Esse relatório tem que ser construído em conjunto com toda a comissão, como eu venho discutindo com o senador Blairo. Já tivemos mais de dez reuniões, discutindo alguns pontos do relatório dele e espero que a gente consiga construir um relatório de maior consenso possível dentro dessa comissão para que ele saia já forte para o Plenário da Câmara dos Deputados, que eu tenho um compromisso com o presidente da Câmara de votar esse relatório o mais rapidamente possível, assim que ele sair dessa comissão."

Se tudo correr conforme o previsto, é possível que até o fim do ano o Congresso autorize atividades proibidas há 70 anos.

O tema é polêmico. Muita gente é contra a legalização e relaciona os jogos com crimes como lavagem de dinheiro e corrupção. Por isso, a preocupação do presidente da comissão, deputado Elmar Nascimento, do Democratas da Bahia, com a definição de penas duras para punir criminosos:

"Nós estamos mexendo com uma coisa muito séria, que vai mexer com muito dinheiro. A partir do momento que se regulamenta e regulariza os jogos no Brasil, eu acho que nós devemos dar penas à altura desse tipo de legalização. Atribuir penalidades do nível da lavagem de dinheiro, com pena de reclusão em regime fechado. Só assim se deve liberar esse tipo de coisa."

Em tempos de crise econômica, desemprego e pouco dinheiro nos cofres dos governos federal, estaduais e municipais, a liberação dos jogos ganha força e apoios. Uma das pessoas ouvidas pela comissão da Câmara foi o presidente do Instituto Brasileiro Jogo Legal, Magno Santos de Sousa. Ele fez os cálculos e afirma que só a movimentação dos jogos ilegais hoje está na casa dos bilhões:

"O total de apostas ilegais no país, hoje, gira em torno de 14,2 bilhões de reais."

Para o deputado Arnaldo Faria de Sá, do PTB de São Paulo, o jogo já é praticado e sua legalização vai aumentar a arrecadação:

"Temos que aproveitar o momento. O momento é de dificuldade econômica do país. Fala-se da tal da CPMF. Nós podemos dar muito mais do que uma CPMF com a aprovação do nosso projeto. Infelizmente está cheio de avestruz nesse país. Todo mundo sabe que o cara joga no Paraguai, joga no Uruguai, joga em locais clandestinos dentro do país. Pega esses navios aí de cruzeiro, dentro do país, vão lá dentro do navio, jogam aqui. Isso quando a pessoa não vai jogar lá em Las Vegas, olha o absurdo da história."

Outro defensor da liberação, Nelson Marquezelli, do PTB de São Paulo, rebate a crítica de que o jogo vicia. Para ele, é uma questão de liberdade de escolha:

"Eu mesmo trabalho com um produto que vicia. Eu sou um dos maiores revendedores da AMBEV do interior de São Paulo. Eu vendo cerveja e a aguardente 51 é de lá, de Pirassununga. Vamos fechar a fábrica? Quantas fábricas de cigarro no Brasil, que dá câncer, dá isso, vicia, pinta o sete. Regulamentação. Nós temos que dar oportunidade para o livre arbítrio do indivíduo. Quer jogar? Joga."

Mas a legalização não é unanimidade na comissão, como diz o deputado Luiz Carlos Hauly, do PSDB do Paraná:

"Essa comissão foi montada para aprovar o jogo, não para discutir. A intenção da comissão, quando eu soube, fui avisado de que teria a comissão instalada, já estava com mais de tantas sessões, 30 sessões, imediatamente pedi para vir para cá, para estabelecer o contraditório, que tenho feito há 25 anos nessa casa".

Para o advogado Paulo Fernando Melo, do Movimento Brasil sem Azar, ao contrário do que afirmam os defensores da legalização dos jogos, a legalização não vai melhorar a economia:

"A legalização do jogo é abrir a porta do imprevisível. Não sabemos onde vamos parar. O jogo não cria nenhuma riqueza. Não aumenta o nosso Produto Interno Bruto. Por quê? Porque o dinheiro apenas sai da família e passa então para os grandes empresários."

Os argumentos contra a legalização do jogo vêm também do Ministério Público Federal. Peterson de Paula Pereira, secretário de Relações Internacionais da Procuradoria-Geral da República, explica por quê:

"Nós temos uma indústria que vive na clandestinidade, que tem singularidade, está envolvida com várias atividades criminosas, seja na lavagem de dinheiro, evasão, corrupção, sonegação fiscal."

Uma das mudanças que a Câmara deve fazer no projeto que está no Senado é permitir que os estados criem suas próprias loterias, acabando com o monopólio da Caixa Econômica Federal.

Confira, no segundo capítulo da reportagem especial: proposta do marco regulatório dos jogos no Brasil prevê criação de loterias estaduais.

(Clique aqui e ouça a reportagem na Rádio Câmara - Reportagem – Antônio Vital - Edição – Mauro Ceccherini - Trabalhos Técnicos – Ribamar Guimarães)