O Marco Regulatório dos Jogos, em tramitação
no Congresso Nacional, pretende revogar três decretos-leis editados entre 1941
e 1946 – ou seja, há mais de 70 anos – que proibiram os cassinos no país e
tornaram o jogo do bicho ilegal. (Decreto-Lei 6.259/1944; os arts. 50, 51, 52,
53, 54, 55, 56, 57 e 58 do Decreto-Lei 3.688/1941- Lei das Contravenções
Penais; e o Decreto-Lei 9.215/1946).
Em 1941, o jogo do bicho passou a ser uma
contravenção penal. E em 1946 os cassinos, que funcionavam livremente, foram
fechados pelo então presidente Eurico Gaspar Dutra.
O historiador Luiz Carlos Prestes Filho,
filho do lendário líder comunista Luiz Carlos Prestes, tem uma explicação
política para a medida, diferente da versão oficial, ligada a questões morais:
"O objetivo era
impedir que os proprietários de cassinos e jogos em geral direcionassem
recursos financeiros para partidos políticos progressistas. O Dutra, o
presidente, sabia muito bem que o irmão do Getúlio Vargas, o Benjamim Vargas,
era o principal, um dos principais acionistas do cassino Quitandinha e do
cassino da Urca."
Na proposta de legalização em tramitação no
Senado um órgão do governo federal ficará encarregado de liberar licenças para
cassinos, bingos e empresários do jogo do bicho.
No caso do jogo do bicho, a fiscalização da
atividade ficaria a cargo dos municípios e do Distrito Federal. E as
autorizações teriam prazo determinado.
De acordo com o Instituto Brasileiro Jogo
Legal, o jogo do bicho, mesmo clandestino, movimenta por ano R$ 12 bilhões.
O presidente da entidade, Magno José Santos
de Sousa, estima que a legalização vá criar 450 mil empregos formais. Ele
comparara os números com os empregos gerados pelas loterias da Caixa Econômica
Federal, que hoje tem o monopólio dos jogos no país:
"A Caixa
comercializa suas nove loterias através de 13 mil lotéricas, enquanto a rede do
jogo do bicho é de 350 mil pontos de venda por todo o país. Além disso, o jogo
do bicho emprega em torno de 450 mil pessoas, todas elas praticamente, a grande
maioria, na informalidade. Ou seja, legalizar as atividades seria trazer
imediatamente 450 mil pessoas para o mercado formal."
Na Câmara, uma comissão especial analisa 14
projetos (PL 442/91 e outros) que legalizam os jogos, inclusive bingos,
cassinos e jogo do bicho. Um dos integrantes da comissão, o deputado César
Halum, do PRB do Tocantins, defende a legalização como maneira de combater a
corrupção policial:
"Eu, esses dias,
uma pessoa simples, humilde, lá do meu estado, me cercou na rua e disse: olha,
esse jogo legalizado vai acabar esse negócio de pagar propina para a polícia.
Quando você legaliza, você conserta uma série de coisas, né? Então tem prós e
tem contras."
A comissão da Câmara tem debatido problemas
práticos da legalização. Uma delas: como evitar a concorrência entre as
diversas modalidades.
A ideia é limitar o número de cassinos e
casas de bingo. Mas, e as máquinas de caça-níquel? A proposta em tramitação no
Senado não faz menção a elas. Na Câmara, há quem defenda que elas possam ser
instaladas nas lotéricas, uma maneira de fortalecer o setor, que está em crise.
Um dos defensores da proposta é o deputado
Herculano Passos, do PSD de São Paulo:
"Para fortalecer
as lotéricas, a ideia é colocar, inclusive, as máquinas de caça-níquel, como
vai ser regularizado em cassinos, e hoje tem máquinas em todo lugar,
clandestinamente, seria uma forma de a gente regulamentar, poder cobrar o
imposto das máquinas, dentro da lotérica, que é muito compatível com a
estrutura de uma lotérica."
A questão não é tão simples. O presidente da
comissão especial, deputado Elmar Nascimento, do Democratas da Bahia, alerta
que, se os caça-níqueis, ou slot-machines, forem instalados nas lotéricas, os
empresários do bicho também vão querer e, nesse caso, passariam a ser
concorrentes dos cassinos:
“A partir do momento
que você altera para permitir slot-machines em lotéricas, o banqueiro do bicho
também quer, também defende que bote na banca do bicho, você inviabiliza os
cassinos.”
Há também quem defenda que as lotéricas
possam funcionar como pontos de jogo do bicho. Mas aí quem não vai gostar são
os bicheiros, como analisa o relator da comissão especial, deputado Guilherme
Mussi, do PP de São Paulo:
"A partir do
momento que você regulamente o jogo do bicho, eles podem ter os pontos de
apontamento de jogos, eles não teriam interesse, acredito eu, de dividir essa
entrada de receita com as lotéricas."
A legalização de atividades hoje ilegais,
como o jogo do bicho, preocupa o Ministério Público. Para Peterson de Paula
Pereira, secretário de Relações Internacionais da Procuradoria-Geral da
República, é perigoso liberar atividade para quem hoje está na clandestinidade:
"É um mercado
que opera nas sombras hoje, em que é fundamental que continue nas sombras e
seja atacado pelo Estado para sua redução, porque a colocação desse segmento na
licitude vai propiciar uma série de atividades, principalmente a lavagem de
dinheiro num ambiente hoje internacional, em que há um cerco maior da lavagem
de dinheiro."
Outra preocupação é com as pessoas que ficam
viciadas nos jogos, os chamados ludopatas. Na Câmara, uma das propostas que
pode ser adotada é criar um cadastro de ludopatas, que ficariam proibidos de
entrar em cassinos e casas de bingo. Essa restrição, porém, não existe na
proposta do Senado, que se limita a prever campanhas de conscientização dos
riscos.
O advogado Paulo Fernando Melo, do Movimento
Brasil sem Azar, diz que os prejuízos com o problema podem ser maiores que os
lucros gerados:
"Os jogadores
com problemas no jogo, os jogadores patológicos, ludopatas, resultam em gastos
consideráveis a suas famílias, a seus empregadores, aos contribuintes e a
várias instituições. Ou seja, os Estados Unidos gastam uma fortuna, mais de 53
bilhões, com os custos destinados a atender essas pessoas que são afetadas pelo
jogo."
Na comissão especial da Câmara, poucos
deputados alertam para o risco do vício. Um deles é Luiz Carlos Hauly, do PSDB
do Paraná, que viveu o problema na família:
"O jogo não é
gerador de riqueza, como estão dizendo aqui que vai gerar riqueza e impostos.
Não é! O jogo é consumidor de riqueza, ele é um predador da riqueza, ele é um
predador da economia familiar. E falo de conhecimento familiar. Já tive
familiares que faliram por conta do jogo do chamado 21, que hoje é o black
jack. Quebrou."
E, entre o público-alvo dos jogos, quem tem
mais risco de se viciar são os idosos, como aponta o médico Alexandre Kalache,
presidente do Centro Internacional de Longevidade Brasil:
"Eu não sei se é
bom ou mal para o Brasil a questão dos jogos. Eu sei que muitas vezes, e vi
isso pelo mundo, que as pessoas idosas são as pessoas que mais jogam. Mas isso
também tem um caráter negativo. Elas acabam viciadas, eu vi isso em vários
países."
O relator da comissão especial da Câmara,
deputado Guilherme Mussi, do PP de São Paulo, aguarda o Plenário do Senado
aprovar o Marco Regulatório dos Jogos para transformar a proposta em uma só.
(Clique aqui
e ouça a reportagem na Rádio Câmara - Reportagem – Antônio Vital - Edição –
Mauro Ceccherini - Trabalhos Técnicos – Ribamar Guimarães)