GANHAM O ESTADO E A SOCIEDADE

Legalização dos jogos no Brasil: arrecadação aos cofres públicos - Bloco 4

A legalização dos jogos no Brasil poderá movimentar cerca de R$ 55 bilhões e arrecadar 16 bilhões por ano para os cofres públicos. Esta é, pelo menos, a estimativa de entidades que defendem a proposta. Mas muitos colocam em dúvida o potencial econômico do setor. Hoje, os lotéricos arrecadam R$ 15 bilhões e quase metade vai para o governo. Segundo o deputado Luiz Carlos Hauly, do PSDB do Paraná, que é economista, a arrecadação com os novos jogos não vai atingir metade deste valor. A legalização dos jogos no Brasil é o tema da reportagem especial desta semana. Confira, agora, o quarto capítulo.

O Congresso Nacional analisa em duas frentes propostas que criam um Marco Regulatório dos Jogos no país.

As propostas preveem a legalização de cassinos, casas de bingo, jogo do bicho e outras modalidades de aposta hoje proibidas, como as máquinas caça-níquel e os jogos on-line.

Uma das propostas está pronta para ser votada no Plenário do Senado (PLS 186/2014) e outra está sendo discutida por uma comissão especial da Câmara (PL 442/91 e outros).

Um dos argumentos para a legalização dos jogos, proibidos no país há 70 anos, é a crise econômica, com o aumento do desemprego e o rombo orçamentário dos governos federal, estadual e municipal.

Dentro dessa ótica, os jogos são vistos como potenciais geradores de empregos e de arrecadação. De acordo com o Instituto Brasileiro Jogo Legal, que defende a legalização, os jogos ilegais movimentam R$ 20 bilhões por ano no país.

O presidente da entidade, Magno Santos de Sousa, calcula que a legalização pode praticamente triplicar esse valor:

"O Brasil, em 2014, tem um PIB de R$ 5,5 trilhões. Se considerarmos 1%, nosso potencial de mercado de apostas gira em torno de 55 bilhões e 200 milhões de reais. Se a gente considerar aquela média de tributação de 30%, nós estamos falando aí numa arrecadação de R$ 16,5 bilhões por ano."

Com base nesse raciocínio, os deputados discutem duas coisas: qual será a alíquota dos impostos que os empresários dos jogos terão que pagar e como será distribuída essa arrecadação.

A proposta do Senado cria uma contribuição social sobre a receita bruta dos estabelecimentos, que será de 10% nas casas de jogos e de 20% nos jogos pela internet. A receita bruta é a diferença entre o que a casa arrecada e o que paga aos apostadores.

Os empresários temem que os impostos sejam calculados sobre o lucro líquido, o chamado giro de apostas, como disse o executivo Mário Assis Ferreira, presidente do Conselho de Administração do Cassino Estoril Sol, em Portugal:

"Não deve incidir sobre o lucro líquido do cassino, mas sim sobre a receita bruta gerada pelo jogo. Se refere aos ganhos efetivos do casino. Ou seja, ao total do valor das apostas, a serem deduzidos todos os prêmios pagos."

O Instituto Brasileiro Jogo Legal considera que uma taxa alta pode afugentar os empresários, como aconteceu na França, onde os cassinos fecharam depois da imposição de uma taxa de 2% sobre a receita bruta.

Olavo Sales da Silveira, da Associação Brasileira dos Bingos, Cassinos e Similares, disse que os bingos, fechados em 2008, eram submetidos a carga muito alta de impostos:

"O bingo nunca pôde ter transparência. O bingo não fazia dinheiro como bingo. O bingo fazia dinheiro para pagar seus custos no estacionamento e nos alimentos e bebidas. Porque, se ele declarasse 10 mil de receita de bingos, ele tinha 14 mil de impostos para pagar. Isso era impossível."

Para o presidente da comissão especial, deputado Elmar Nascimento, do Democratas da Bahia, uma alíquota muito alta pode tornar os estabelecimentos de jogos no Brasil pouco competitivos:

"Nós não podemos ter uma alíquota muito grande aqui, quando em países, até fronteiriços, e do restante do mundo tem uma alíquota menor, penalizar essa atividade. Isso tem que estar ao mesmo tempo sintonizado com nosso código tributário nacional. Porque tem diversos impostos que você não pode abrir mão, a exemplo do PIS, do Cofins, do IPTU, o próprio Imposto de Renda."

A questão envolve, também, a partilha desses impostos. O deputado Nelson Marquezelli, do PTB de São Paulo, defende um mecanismo que permita repasses para as prefeituras, como acontece com o Fundo de Participação dos Municípios:

"Precisamos ter arrecadação para o estado, para a União, mas não podemos esquecer dos municípios. E olha: nós não podemos esquecer daquele município que não vai ter jogo nenhum. Temos que fazer com que caia no FPM (Fundo de Participação dos Municípios), que caia numa arrecadação, que seja repartido isso para todos os municípios brasileiros."

As dúvidas não param aí. O projeto em tramitação no Senado prevê o funcionamento de apenas 35 cassinos no país, com no máximo três por estado. O deputado Ricardo Trípoli, do PSDB de São Paulo, que é contra a legalização, questiona o critério:

"A minha dúvida é a seguinte: será que os primeiros estados beneficiados seriam os mais paupérrimos do Brasil, como o Piauí, o Acre, o Amapá, Roraima, Rondônia, ou será que eles pretendem que os primeiros sejam em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais?"

O aumento da arrecadação não convence os deputados contrários à legalização dos cassinos e casas de jogos em geral.

O deputado Luiz Carlos Hauly, do PSDB do Paraná, que é economista, duvida do potencial econômico do setor:

"Os lotéricos arrecadam mais de 15 bilhões do jogo. Oito bilhões vão para o governo. E duvido, desafio qualquer um a debater comigo, que se legalizar o jogo não dá metade de tributo do que isso. E vai trazer consequências. Então, vou dizer, é uma falácia, para não dizer que é uma mentira, que vai dar 20, que vai dar o dobro. Não dá."

O argumento do aumento da arrecadação também não pode ser usado para justificar a legalização, de acordo com o advogado Paulo Fernando Melo, do Movimento Brasil sem Azar:

"Mas quem realmente ganha com a jogatina? Os ricos investidores cada vez mais ricos e os pobres mais pobres, iludidos que podem ganhar um dinheiro fácil. Dizer que arrecada dinheiro? O tráfico de drogas e a prostituição também geram empregos e renda."

A legalização dos jogos também é criticada pelo Ministério Público. Peterson de Paula Pereira, secretário de Relações Internacionais da Procuradoria-Geral da República, diz que existem alternativas para aumentar a arrecadação. Um exemplo: o combate ao contrabando:

"Pra essa conjuntura, para a necessidade de criação de empregos, para a geração de renda, para dinamizar esses setores, talvez fosse mais aconselhável nós darmos condições ao Estado brasileiro com fiscais para a gente fechar nossas fronteiras para o contrabando, porque penso que só na eliminação das barreiras e contrabando o efeito econômico e o efeito do emprego seria muito, muito maior que a legalização dos jogos no Brasil."

A expectativa, na comissão especial da Câmara, é de que o relator da proposta, Guilherme Mussi, do PP de São Paulo, entregue um relatório preliminar para ser discutido pelos deputados nos próximos dias. (Clique aqui e ouça a reportagem na Rádio Câmara - Reportagem – Antônio Vital - Edição – Mauro Ceccherini - Trabalhos Técnicos – Ribamar Guimarães)