As apostas pela internet são um desafio para
quem defende a legalização dos jogos no Brasil. Afinal, como regular uma
atividade que existe no mundo virtual, com custos bem menores que seus
concorrentes do mundo real e, muitas vezes, sediada em outros países, sujeita a
outras ou até mesmo a nenhuma regra?
Uma proposta em tramitação no Senado autoriza
o funcionamento destes sites, mas exige apenas que a empresa de jogo on-line
seja constituída de acordo com as leis brasileiras.
Na Câmara, onde uma comissão especial também
prepara uma proposta de legalização dos jogos, o caso é motivo de discussão há
meses e a necessidade de regulamentação é justificada com números bilionários.
O Instituto Brasileiro Jogo Legal, que
defende a legalização, estima que esse tipo de atividade já movimenta R$ 3
bilhões por ano.
É o que diz o presidente da entidade, Magno
Santos de Sousa:
"Apostas na
Internet: bingo, vídeo-bingo, slot-machines, jogos de cassinos e apostas
esportivas movimentam hoje algo em torno de R$ 3 bilhões por ano. Já existem
dados novos, dados estatísticos que determinam que é muito mais do que este
valor, devido à progressão dos apostadores. A gente sabe que 10 milhões de
brasileiros jogam."
Mas como fiscalizar essa atividade e impedir
que ela seja usada para lavagem de dinheiro? De acordo com o presidente do
Conselho de Controle de Atividades Financeiras, o COAF, Antônio Gustavo
Rodrigues, isso é tarefa do país onde está sediado o site:
"O grande
desafio da Internet é isso, é que ela não tem barreira. Então, você aqui acessa
um cassino que é controlado pelos índios do Canadá, que é um problema, lá no
Canadá tem isso. Então, como é que você enfrenta isso? Corta o acesso à
Internet? Então, esse é um grande problema. Na verdade, quem tem que controlar
isso é o país onde essa empresa que explora esse tipo de jogo deveria controlar
essas empresas, especialmente do ponto de vista da lavagem de dinheiro."
A proposta em tramitação no Senado proíbe o uso
de cartões de crédito e de débito em apostas na internet feitas por sites não
autorizados.
Mas a Câmara analisa outras restrições, como
obrigar os sites de jogos a serem ligados a empresas que existem fisicamente,
como os cassinos.
A sugestão foi feita por Mário Assis
Ferreira, presidente do conselho de Administração do cassino Estoril Sol, de
Portugal. O argumento dele é que esse tipo de site é uma concorrência desleal:
"Eu alerto para
que essa proliferação, se acaso existir, vai dar cabo dos cassinos físicos,
porque uma operação de jogo on-line não tem custos, não tem custos de
estrutura, não tem custos de fato significativos, não tem culturais, não tem
custo de animação, não tem custos de investimento físico."
A dificuldade de fiscalização das empresas de
jogos e o risco de a atividade ser usada pelo crime organizado são argumentos
para quem critica a legalização.
Por isso, o presidente da comissão especial
da Câmara, deputado Elmar Nascimento, do Democratas da Bahia, defende a
regulamentação e a criação de um Marco Legal dos Jogos. Segundo ele, as
empresas ficarão sujeitas a leis rigorosas:
"Se a
legislação, alguém está pensando em construir para facilitar o Brasil virar o
país da jogatina, não vai ter, não vai passar aqui, não vai ter jeito. É o
contrário. Vai endurecer com o jogo e restringir ao máximo qualquer tipo de
exploração, focado exatamente no turismo, no turismo, só nisso, num turismo
restrito, que não existe no Brasil."
Mas a garantia não convence entidades que
defendem o “não” à legalização. O advogado Paulo Fernando Melo, do Movimento
Brasil sem Azar, lista algumas maneiras de lavar dinheiro usando bingos:
"A troca de
dinheiro sujo por fichas; a compra de fichas de outros jogadores por um preço
maior; a troca de dinheiro sujo somada com o prêmio ganho ou adquirido; o uso
de fichas como se fosse dinheiro em transações ilegais, como narcotráfico; a
compra de cartões de prêmio ou fichas acumuladas de bingo, pagando por eles um
valor superior da premiação; várias pessoas compram fichas em montantes menor,
repassadas para uma única pessoa, que as resgata conjuntamente, trocando por um
cheque na casa do bingo."
O Ministério Público também é contra a
legalização de cassinos, casas de bingo e jogo do bicho. Para Peterson de Paula
Pereira, secretário de Relações Internacionais da Procuradoria-Geral da
República, é muito fácil um acerto entre o dono da casa de jogos e quem quiser
lavar o dinheiro. E, para evitar isso, seria necessário um grande aparato
estatal que o Brasil hoje não tem:
"Dá pra fazer
uma operação muito fácil entre quem aposta e o proprietário da casa de jogo
para que se lave esse dinheiro e haja o branqueamento, haja a lavagem desses
capitais. Então, é um tema muito sensível, porque isso requer uma ação do
Estado muito profissionalizada, muito eficaz na fiscalização."
O advogado Paulo Morais, conselheiro da Ordem
dos Advogados do Brasil em São Paulo, defende a legalização dos jogos e
minimiza o risco de lavagem de dinheiro. Segundo ele, a Receita Federal, graças
a uma decisão do Supremo Tribunal Federal, já tem acesso a dados bancários de
pessoas suspeitas, sem necessidade de autorização judicial.
Para o advogado, isso inibiria o uso do
sistema bancário para lavar dinheiro:
"Tenho absoluta
tranquilidade. A legislação já existe, os órgãos de controle já estão bem
aparelhados, o Supremo tem caminhado fortemente nesse sentido. Essa decisão do
Supremo no sentido de autorizar a quebra do sigilo fiscal, independente de
autorização judicial, é um caminho muito forte nesse sentido. Quer dizer o seguinte:
o fiscal da Receita Federal, hoje, está autorizado a olhar sua conta, sem pedir
autorização pra ninguém, pra ver se o rendimento é compatível com o valor
declarado."
A proposta em tramitação no Senado prevê
mecanismos de controle. Obriga, por exemplo, a identificação de todos os
jogadores em bingos e cassinos, medida criticada pelos donos de cassinos
ouvidos pela comissão especial da Câmara.
A casa de jogos também fica obrigada a
informar as autoridades sempre que alguém ganhar mais de R$ 10 mil.
Para o deputado Ricardo Trípoli, do PSDB de
São Paulo, que é contra a legalização, isso não impede a lavagem de dinheiro.
Apenas inibe os jogadores:
"Quem é que vai
convencer um sujeito milionário, que sai do Brasil num avião particular pra
jogar em Las Vegas, para jogar no Brasil, com as câmeras de controle sabendo
quanto ele está jogando em cada mesa? Que ele vai ser investigado pelo fisco
para saber se tem origem o dinheiro que ele está jogando?"
A proposta em tramitação no Senado autoriza,
também, as máquinas caça-níqueis, apontadas por especialistas como a porta de
entrada para o vício no jogo.
O projeto não define, porém, onde elas
poderão ser instaladas. De acordo com o procurador da República Guilherme Schelb,
o público-alvo desse tipo de aposta são os jovens e pessoas de baixa renda, daí
o perigo:
"As máquinas
caça-níqueis têm um destino claro. O destino claro são classe média baixa,
trabalhadores e desempregados. O destino das máquinas caça-níqueis e do pôquer
eletrônico é muito claro porque são baixos valores de aposta. Você aposta cinco
reais, dez reais."
Na Câmara, deputados da comissão especial
estudam permitir as máquinas caça-níqueis apenas em cassinos, que seriam
limitados a três por estado.
A comissão deve fechar sua proposta para a
legalização dos jogos no país nas próximas semanas.
Termina aqui a série especial sobre a
legalização dos jogos no Brasil.
(Clique aqui
e ouça a reportagem na Rádio Câmara - Reportagem – Antônio Vital - Edição –
Mauro Ceccherini - Trabalhos Técnicos – Ribamar Guimarães)