Nas últimas décadas, vários temas têm gerado
polêmica no Brasil. A legalização do jogo está entre eles, mas questões
religiosas, políticas e ideológicas acabam contaminando o debate. A única
verdade é que, no caso do jogo, só temos duas opções: jogo legal ou ilegal.
A opção "não
jogo" é impossível, pois seu mercado clandestino movimenta no país quase R$
20 bilhões por ano, contra os R$ 14 bilhões do jogo legal. O cenário proibitivo
não alterou a questão da ilegalidade, visto que para cada R$ 3 apostados,
apenas R$ 1 vai para o jogo oficial. Além disso, mais de 20 milhões de
brasileiros jogam todos os dias no brasileiríssimo jogo do bicho.
Se o Estado
estivesse controlando essa atividade, o jogo não seria um caso de polícia, mas
sim significativa fonte de receita para investimentos sociais. Além disso,
seria um importante instrumento de geração de empregos, assim como é registrado
nos países mais ricos do mundo, onde o jogo é liberado e regulamentado pelo
Estado.
Estudos indicam que, além dos ganhos com tributos e investimentos –que podem
chegar a R$ 20 bilhões anuais–, seriam formalizados, no jogo do bicho, 450 mil
empregos e se criaria pelo menos mais de 100 mil novos postos de trabalho.
O problema é que
toda vez que o governo e o Congresso Nacional mostram-se favoráveis à
legalização do jogo, alguns setores e atores demonizam a iniciativa como se
essa atividade não houvesse no país. Discursos contrários usam a patologia, a
lavagem de dinheiro e a ausência de controle como argumentos. Isso é parte do
lobby dos que pretendem manter o jogo na ilegalidade.
Para quem entende
do assunto, e tendo em vista toda tecnologia disponível, o argumento de que o
jogo legalizado poderia ser propício à lavagem de dinheiro é uma falácia. Os
contrários sempre profetizam que os jogos são propícios a esse delito, mas
nunca foi explicado como seria essa operação nem como seriam as respectivas
vantagens em se lavar dinheiro no jogo. Uma análise nos percentuais dos
tributos demonstra que estão profetizando uma grande bobagem, já que existem
atividades mais vantajosas para a lavagem de ativos.
Além disso, a
legislação brasileira obriga que prêmios acima de R$ 10 mil sejam informados
pelos operadores de jogos e de loterias ao Conselho de Controle de Atividades
Financeiras, um órgão que é vinculado ao Ministério da Fazenda e que é
responsável pela fiscalização da lavagem de capitais. Há também a tributação de
27,5% do Imposto de Renda sobre o prêmio. Portanto, lavar dinheiro em jogo é
caro e arriscado.
Se a preocupação é
com os eventuais problemas que os jogos podem levar aos seus praticantes –como
a questão do vício– cabe destacar que já existem políticas bastante eficazes e
com resultados comprovados de prevenção e de combate à compulsão em jogos. Além
das campanhas de esclarecimento sobre o jogo responsável, o conceito mundial de
"ludopatia" vem mudando com introdução do "sistema de autoexclusão" Além das
campanhas de esclarecimento sobre o jogo responsável, o conceito mundial de
"ludopatia" vem mudando com introdução do "mandato de
autoexclusão" –um mecanismo, requerido pelo jogador ou por um familiar, em
que não é possível ao apostador acessar qualquer sala de jogo por dois anos.
As últimas
estatísticas disponíveis sobre o tema –que podem ser encontradas no Reino
Unido– indicam que entre 0,5% e 0,6% da população adulta é composta por
jogadores patológicos, enquanto que 1,4% dos jogadores britânicos está em
situação de risco moderado. No Brasil, devido à clandestinidade, não existem
dados seguros sobre a situação, mas o comportamento patológico não é privilégio
dos jogos.
Baseado nas
práticas observadas em diversos países do mundo, o Estado brasileiro deve
legalizar, controlar e arrecadar com o jogo. Defendemos a legalização de todas
as modalidades de jogos que operam hoje sem uma legislação específica. Nesse
caso, estamos falando dos cassinos, bingos, videobingos, videojogos, apostas esportivas,
jogos online, jogos de habilidades e o jogo do bicho –que já goza de
legitimidade social.
O Brasil tem que
amadurecer e enfrentar a questão do jogo de forma pragmática, sem o
envolvimento de questões de ordem moral ou religiosa. É necessário legalizar e
regulamentar o jogo antes de proibi-lo, pois a proibição leva ao jogo
clandestino e o jogo clandestino leva à corrupção. Além disso, com o jogo legal
ganham o Estado e a sociedade.
Artigo veiculado pela editoria de Opinião do UOL Notícias nesta segunda-feira (30).