Eles estão pulverizados em todas as regiões
de Belo Horizonte e espalhados pelo Estado. Mesmo proibidos há sete décadas no
Brasil, os jogos de azar – que incluem bingos, jogos do bicho e máquinas
caça-níqueis – formam uma rede capaz de movimentar até R$ 20 bilhões por ano no
país, conforme seus defensores, e desafiam as autoridades com uma grande
capacidade de reestruturação. Identificar quem está por trás da contravenção
penal é a maior dificuldade, devido à precária estrutura da Polícia Civil para
investigar a atividade.
O cenário pode ser alterado pelo Projeto de
Lei 186/2014, que está prestes a ser votado no Senado, em Brasília, e prevê a
regulamentação dos jogos de azar. Mas enquanto isso não acontece, na capital
mineira, as operações da Polícia Militar voltadas para a atividade saltaram de
85 em 2014 para 785 neste ano. Já a Polícia Civil registrou 496 ocorrências em
2014 e 98 em 2016.
Para delegados da Polícia Civil, o controle
da prática não é uma prioridade devido às dificuldades estruturais e ao volume
de trabalho da corporação. Magno Machado Nogueira é titular da 3ª Delegacia
Noroeste, que cuida de uma área com cerca de 150 mil habitantes, incluindo
bairros da Pampulha, e fechou cerca de cinco pontos de jogo do bicho e de
máquinas caça-níqueis neste ano. Ele destaca que age principalmente por meio de
denúncias. No local trabalham, além do delegado, quatro investigadores, três
escrivães e um inspetor.
“O volume de serviço que está concentrado
hoje nas delegacias de área é muito grande, e a gente acaba dando prioridade a
crimes que têm impacto direto na violência”, afirma, enquanto aponta armários
lotados de inquéritos.
O policial garante que combate os casos dos
quais toma conhecimento, mas, em geral, a corporação não possui um diagnóstico
dos jogos de azar na capital. Quando um estabelecimento é fechado, apenas
funcionários são detidos e, geralmente, não delatam seus patrões. Todos são
liberados após assinatura de um Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO). “Se
fechamos hoje, daqui a três dias eles reabrem”, conta.
No caso das máquinas caça-níqueis, por
exemplo, a única coisa que se sabe é que os equipamentos são terceirizados e
que um motoqueiro recolhe o dinheiro algumas vezes ao dia. “Conseguiríamos
(identificar os donos) se tivéssemos mais estrutura. Mas o volume de trabalho
que a gente tem é gigantesco”, pondera Nogueira.
Na 1ª Delegacia de Contagem, uma investigação
de seis meses culminou no fechamento de um bingo no bairro Parque Recreio, em
outubro de 2015. Cerca de 300 pessoas estavam no local, que já havia sido
fechado antes.
Um inquérito para tentar identificar os
responsáveis pelo estabelecimento está em curso, mas o delegado Saulo de Tarso
Gonçalves da Silva Castro não revela detalhes. Ele destaca a complexidade da
atividade, que tem níveis hierárquicos definidos. “O jogo de azar é uma
contravenção. Mas a gente vislumbra que eles praticam, por exemplo, o crime de
lavagem de dinheiro”, afirma. “Diante da nossa necessidade de priorizar outras
investigações, isso acaba ficando em segundo ou terceiro plano a depender do
momento”, conclui.
Mercado
Números
O Instituto Jogo Legal estima que existam no
país 300 mil pontos de jogo do bicho, 400 mil caça-níqueis e 400 bingos. Minas
Gerais representaria cerca de 12% desse mercado.
Contravenção
Os jogos de azar passaram a ser proibidos no
Brasil em 1946, com o Decreto Presidencial 9.215. Ele anulou todas as licenças,
concessões ou autorizações de locais que exploravam jogos. Por ser uma
contravenção penal, crime de menor potencial ofensivo, prisão não é aplicada.
Pode haver multa.
Jogadores. De acordo com delegados da Polícia
Civil, em geral apostadores não são responsabilizados, e somente os
funcionários da casa costumam ser conduzidos à delegacia. A PM informou que
detém todos no estabelecimento.
Denúncias. A maioria das denúncias sobre o
tema chega às autoridades pelo telefone 190 (PM) e pelo 181 (Disque-Denúncia).
Polícia
Militar
Repressão
não chega à origem
Já houve casos em que a Polícia Militar de
Belo Horizonte fechou um estabelecimento de jogos de azar pela manhã e, à
tarde, precisou voltar ao local para recolher outros equipamentos. A capitã
Regiane Fonseca Silva Calixto, assessora de imprensa do Centro de Policiamento
da Capital, afirma que hoje a corporação atua por meio de operações,
patrulhamentos rotineiros e denúncias.
Ela admite que os donos de estabelecimentos
raramente são identificados e que eles conseguem reabrir os locais com
facilidade. “A repetência criminal é um dos maiores desafios. Às vezes,
recolhemos as máquinas e todo o material, a pessoa toma o prejuízo, mas
continua lá”, destaca.
Uma das maneiras de atuação da corporação,
segundo Regiane, compreende identificar estabelecimentos de uma determinada
região e fechá-los em uma única operação. “A polícia está intensificando ações
nessa questão dos jogos de azar. Se não combater, pode acabar virando outro
crime, como furto e roubo. Então, atacando o crime de menor potencial, a gente
consegue que não aconteça o de maior potencial ofensivo”.
Apesar de uma alta expressiva no número de
operações contra os jogos entre 2014 e 2016, as ocorrências com detenções
caíram no mesmo período, passando de 429 para 177. Os casos são encaminhados à
Polícia Civil, que abre um TCO.
Cristiano
Machado - Fechado ao menos três vezes, Bingo do Túnel opera de novo
Fechado pela polícia ao menos três vezes
desde 2014, o Bingo do Túnel, sobre o túnel da avenida Cristiano Machado, no
bairro Colégio Batista, na região Leste da capital, é um dos exemplos da
capacidade de reestruturação desses estabelecimentos. A reportagem esteve no
local na última semana e encontrou um amplo salão com cerca de 30 mesas, cem
jogadores e muitos funcionários. A última ação na casa foi em fevereiro deste ano.
Localizado sobre um estacionamento e com
acesso por uma estreita escada, o bingo oferece prêmios entre um salário mínimo
e R$ 8.000. As cartelas custam entre R$ 1 e R$ 10. Os números são anunciados de
forma rápida enquanto os apostadores fumam, comem e bebem às mesas.
Caça-níqueis
Em um pequeno boteco do bairro Sagrada
Família, também na região Leste, três máquinas caça-níqueis ficam atrás de
caixas de cerveja. O proprietário, com cerca de 75 anos, conta que recebe 25%
dos lucros do aparelho, cujo dono não sabe quem é. Ele trata apenas com os
motoqueiros que buscam o dinheiro.
O homem diz que há cerca de quatro meses os
equipamentos não dão mais lucro. “Não compensa mais ficar com isso. Não dá
dinheiro e ainda pode me trazer problema”, diz, destacando já ter sido abordado
pela polícia algumas vezes.
No cruzamento das ruas Grão Mogol e
Passatempo, no Sion, na região Centro-Sul, duas máquinas ficam escondidas atrás
de uma divisória, dentro de um bar. Lá, os funcionários contam que apenas o
dono cuida dos lucros e lida com o responsável pelo aparelho. (O
Tempo – Johnatan Castro – MG)