Antes da proibição dos Jogos de Azar no Brasil em 1946, existiam no País 71 cassinos que empregavam cerca de 53,2 mil pessoas. Nos últimos 70 anos em que a prática é ilegal, mas que não deixou de acontecer clandestinamente, o Estado deixou de arrecadar mais de R$ 400 bilhões apenas com tributos, sem contar com investimentos e empregos.
Este assunto voltou a percorrer o setor Legislativo brasileiro com a aprovação do Projeto de Lei do Senado 186/2014 na CEDN – Comissão Especial de Desenvolvimento Nacional, que desta vez parece estar levando o assunto a sério. O Brasil é o maior exportador do mundo de jogadores na área de jogos para países do Mercosul e Las Vegas, nos Estados Unidos. O país norte-americano movimenta US$ 240 bilhões anualmente e paga US$ 38 bilhões em tributos, empregando 1,7 milhão de pessoas com a prática regulamentada dos Jogos.
Com a introdução de um Marco Legal, o mercado brasileiro de jogos tem potencial que pode chegar a R$ 60 bilhões por ano, com arrecadação do governo de R$ 18 bilhões com a regulamentação de todas as modalidades e criação de mais de 500 mil empregos diretos e indiretos. É o que afirma, nesta entrevista exclusiva, Magnho José, jornalista especializado em loterias e apostas, editor do BNLData, Presidente do IJL – Instituto Brasileiro Jogo Legal e professor do curso de pós-graduação em Comunicação Empresarial da Universidade Candido Mendes – RJ. Confira:
Revista Hotéis – O que fomentava os cassinos no Brasil antes da proibição pelo Presidente Dutra em 1946? Quantos existiam no País, quantos empregos gerava e de que forma contribuía para alavancar o turismo nas cidades instaladas?
Magnho José – Antes do fatídico dia 30 de abril de 1946, os 71 cassinos em operação no Brasil empregavam 53,2 mil pessoas e, além do ‘pano verde’, estas casas tinham um modelo efervescente de entretenimento de fazer inveja aos melhores cassinos do mundo daquela época. Inclusive, comenta-se que o modelo de operação integrado entre jogos e entretenimento teria sido criado no Rio de Janeiro e aperfeiçoado pelos cassinos norte-americanos.
As estâncias hidrominerais das cidades de São Lourenço, Caxambu e Lambari, destaques no universo das roletas e carteados e localizadas no Sul de Minas Gerais, tinham suas economias lastreadas nos cassinos e nos parques aquáticos. Muitos turistas associavam a busca pelas águas com propriedades curativas aos cassinos, que também eram palcos de superproduções musicais e teatrais. Com a proibição dos cassinos, os municípios desta região enfrentaram sérios problemas, sendo que algumas cidades ainda não se recuperaram até os dias de hoje.
Revista Hotéis – Na sua opinião, o que levou o Presidente Dutra a tomar esta decisão de proibir os jogos no Brasil? Foi influência mesmo de sua esposa, pressões religiosas ou havia algum pretexto político na época?
Magnho José – Existem duas teses que explicam a proibição do jogo no Brasil, sendo uma religiosa e outra política. A primeira e mais difundida pelos livros de história seria que o Presidente Marechal Eurico Gaspar Dutra, teria sido ‘induzido’ a proibir os cassinos pelo Ministro da Justiça, Carlos Luz, pelo Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Jayme de Barros Câmara e pela esposa, Dona Carmela ‘Santinha’ Dutra, uma religiosa fervorosa.
A tese política mais parece uma conspiração, mas tem algum sentido. O Presidente Getúlio Vargas liberou os cassinos em 1934. Segundo o que se comentava à época, o empresário Joaquim Rolla, dono dos cassinos da Urca, Atlântico, Icaraí (Niterói), Quitandinha (Petrópolis), seria o testa-de-ferro de Benjamin Vargas (irmão de Getúlio), o que nunca foi provado. Dizia-se que os cassinos funcionavam como caixa dois de Getúlio.
Benjamin Vargas, irmão de Getúlio Vargas, seria sócio do Joaquim Rolla. Segundo os historiadores, Joaquim seria um dos principais ‘apoiadores’ do partido comunista ligado a Getúlio Vargas. Ao invés de extinguir o partido comunista e gerar um grande desgaste político, foi mais fácil eliminar a fonte patrocinadora, que no caso eram os cassinos do Joaquim Rolla.
Revista Hotéis – O que o Brasil perdeu nestes 70 anos de proibição dos cassinos?
Magnho José – Apesar de todo o amadurecimento do tema no parlamento, o debate sobre a legalização dos cassinos no Brasil tem um atraso histórico. Várias cidades turísticas tiveram suas economias arruinadas com a proibição dos cassinos. O setor de entretenimento também enfrentou um grande retrocesso com a proibição. Apesar de toda dificuldade em analisar as perdas que o País teve com a decisão de proibir, mas arriscaria afirmar que o Estado deixou de arrecadar mais de R$ 400 bilhões com o jogo clandestino nos últimos 70 anos apenas com os tributos, sem falar em investimentos e empregos.
“Esta é a melhor oportunidade para a legalização do jogo no Brasil”
Revista Hotéis – Por que não se legalizou os cassinos até hoje se vários projetos já foram apresentados?
Magnho José – Nas últimas sete décadas, vários temas têm gerado polêmica no Brasil e dentre eles a legalização do jogo, que seja por questões religiosas, políticas, ideológicas ou morais têm contaminado e distorcido o debate. O longo período de proibição do jogo no Brasil, cerca de 70 anos, acabou rotulando equivocadamente esta atividade como uma questão moral, a exemplo do aborto e das drogas. Com frequência somos perguntados sobre os motivos do longo período de ilegalidade do jogo, enquanto em praticamente todos os países da América Latina o jogo é legalizado e regulamentado. Temos dificuldades em responder esta pergunta já que não existem fatos explícitos que justifiquem, mas sim um elenco de motivos.
Revista Hotéis – Qual é o clima hoje para se legalizar os cassinos no Brasil? O que o leva a crer que agora será legalizado?
Magnho José – Entre todas as tentativas anteriores, cremos que esta é a melhor oportunidade para a legalização do jogo no Brasil. A proposta amadureceu gradativamente, o mundo globalizado unificou discurso, foi realizado um trabalho sério pelo IJL – Instituto Brasileiro Jogo Legal, através de um diálogo franco com deputados e senadores para esclarecer sobre os benefícios do jogo legalizado, além de minimizar o discurso dos atores contrários a legalização através dos velhos e surrados argumentos que o jogo não pode ser controlado, que a atividade é propícia a lavagem de dinheiro, que gera patologia e favorece o crime organizado.
Revista Hotéis – O que representa a indústria dos cassinos no mundo e como ela é regulamentada e fiscalizada, como por exemplo, nos Estados Unidos?
Magnho José – O Brasil é o maior exportador do mundo de jogadores, consumo, dividendos e divisas na área de jogos para Las Vegas e países do Mercosul. Atualmente, existem 535 cassinos na América Latina, sendo 160 na Argentina, 86 na Colômbia, 61 no Peru, 35 no Uruguai, 28 no Chile e seis no Paraguai. Nos EUA existem 2.458 cassinos e a indústria do jogo daquele país movimenta anualmente US$ 240 bilhões, paga US$ 38 bilhões em tributos, emprega 1,7 milhão de trabalhadores que recebem U$S 73,5 bilhões em salários. No mundo existem 6.848 cassinos em operação. A indústria do jogo mundial movimenta anualmente US$ 488 bilhões.
Revista Hotéis – Recentemente, foi aprovado na CEDN – Comissão Especial de Desenvolvimento Nacional o Projeto de Lei do Senado 186/2014, que amplia o leque dos jogos de azar legalizados no Brasil. Neste mesmo projeto, além dos cassinos, estão inclusos o jogo do bicho e os bingos. Todos eles juntos não poderia dificultar a aprovação? Não seria mais fácil aprovar somente os cassinos?
Magnho José – Não acredito que seria mais fácil aprovar somente os cassinos, pois o desgaste seria o mesmo. O Brasil tem uma das legislações mais atrasadas e antiquadas na área de loteria e jogos do mundo. Ou seja, depois de 75 anos da última lei, ainda não enfrentamos a questão da atualização do marco regulatório para esta atividade. Apesar do monumental atraso histórico, o IJL – Instituto Brasileiro Jogo Legal ficou entusiasmado com a possibilidade de regulamentação do jogo pelo governo federal para que os recursos advindos desta atividade sejam utilizados como alternativa de criação a novos tributos. Na verdade, aposta em jogos e loterias é uma forma lúdica de pagar impostos. O primeiro benefício seria a retirada destas operações da zona cinzenta e transferida para legalidade, permitindo que haja controle destas atividades. Os benefícios imediatos seriam um incremento na arrecadação de tributos pelo Estado, que seriam revertidos para a sociedade através de programas sociais ou para a previdência social. Além disso, teríamos a criação de novos equipamentos e atrações turísticas para as cidades.
Revista Hotéis – Na sua opinião, o que o Projeto Lei do Senado 186/2014 tem de peculiaridades boas ou ruins para o setor?
Magnho José – O texto que está tramitando no Senado é muito restritivo a algumas operações e tem o DNA de técnicos do governo federal.
Revista Hotéis – Existe uma proposta aprovada pela Comissão Especial do Marco Regulatório dos Jogos na Câmara dos Deputados. O que ele contempla e quais as chances de ser aprovado?
Magnho José – O texto aprovado pela Comissão Especial do Marco Regulatório dos Jogos na Câmara dos Deputados, em agosto deste ano, atende melhor a demanda do mercado, pois legaliza todas as modalidades de jogos e apostas. O texto da Câmara atenderá melhor os anseios do governo com a arrecadação de impostos, geração de empregos e investimentos na implantação deste mercado no País.
“O Brasil tem que amadurecer e enfrentar a questão de forma pragmática”
Revista Hotéis – Uma vez aprovado estes projetos, como será o cenário dos jogos no Brasil? O que o País pode ganhar com isto?
Magnho José – O potencial do mercado de jogo no Brasil, com a introdução de um marco legal, pode chegar a R$ 60 bilhões anuais. Seguindo a tributação mundial, estamos tratando de uma arrecadação pelo governo de cerca de R$ 18 bilhões com a regulamentação de todas as modalidades. Além das outorgas, licenças e autorizações, seriam realizados investimentos na implantação das casas de jogos e toda cadeia produtiva que envolve a indústria do jogo. Além do ganho com tributos e investimentos, seriam formalizados 450 mil empregados do jogo do bicho e criados pelo menos mais 150 mil. Ou seja, Estado e sociedade só têm a ganhar com a legalização.
Revista Hotéis – Existem algumas pressões por parte do Ministério Público que a legalização dos cassinos no Brasil seria uma forma de se lavar dinheiro. Como você analisa esta questão? É possível combater estas fraudes? Como é feita a fiscalização em outros países?
Magnho José – Os contrários a legalização profetizam que os jogos são propícios a lavagem de dinheiro, mas nunca foi explicado como seria esta operação e as respectivas vantagens em lavar dinheiro com o jogo. Uma análise nos percentuais dos tributos demonstra que estão profetizando uma grande bobagem, já que existem atividades prestadoras de serviços em que o ‘lavador’ pagará apenas 16,33% em tributos. Além disso, a legislação brasileira obriga que prêmios acima de R$ 10 mil sejam informados pelos operadores de jogos e loterias ao COAF – Conselho de Controle de Operações Financeiras, órgão vinculado ao Ministério da Fazenda e responsável pela fiscalização sobre lavagem de capitais no País, além da tributação de 27,5% de Imposto de Renda sobre o prêmio. Portanto, lavar dinheiro em jogo é caro e arriscado.
Se a preocupação é com os eventuais problemas que os jogos podem levar aos seus praticantes, como a questão do vício, por exemplo, cabe destacar que já existem políticas bastante eficazes e com resultados comprovados de prevenção e combate à compulsão em jogos de azar. Além das campanhas de esclarecimento sobre o jogo responsável, o conceito mundial de ludopatia vem mudando com introdução do sistema de ‘Auto exclusão’. No ano passado, 533 pessoas tomaram a iniciativa de impedir a própria entrada em cassinos de Portugal. A requisição de ‘Auto Exclusão’ está prevista na lei daquele país, que é usada quando uma pessoa reconhece que está viciada no jogo.
Pesquisas recentes comprovam que menos de 2% da população apresentam algum tipo de problema com o jogo e seria muito cruel punir os outros 98% da população que têm uma relação normal com os jogos.
Revista Hotéis – A legalização dos cassinos no Brasil seria uma alavanca para ressuscitar destinos que estão abandonados ou mesmo criar novos destinos? Haveria incremento de turistas estrangeiros?
Magnho José – Nós entendemos que a legalização dos cassinos poderá reativar e revitalizar destinos antigos como as estâncias hidrominerais do Sul de Minas e criar novos destinos com a implantação destas unidades. Os empresários de cassinos só vão investir bilhões de dólares em locais de concentração de pessoas. As grandes corporações estimam que é necessário o fluxo de 6 mil turistas/dia para implantação de um cassino de pequeno porte.
Revista Hotéis – O que ganha a hotelaria nacional com a legalização dos cassinos?
Magnho José – O exemplo de Singapura deve ser observado. O país legalizou o jogo em 2010, e não se tem qualquer notícia sobre o avanço do crime organizado, lavagem de dinheiro, problemas de saúde pública derivados da ludopatia ou um cenário de devassidão moral por conta da legalização: o país continua tão seguro e civilizado quanto sempre foi. A diferença é que agora o país de pouco mais de cinco milhões de habitantes conta com uma indústria de mais de R$ 20 bilhões ao ano e que cresce a um ritmo superior a vinte por cento ao ano. Além disso, todos os hotéis próximos ao Marina Bay Sands e aos outros cassinos do país comemoram a legalização dos cassinos, pois todos estão com suas ocupações turbinadas.
No caso do jogo só temos duas opções: jogo legal ou ilegal. A opção ‘não jogo’ é impossível, pois mais 20 milhões de brasileiros jogam todos os dias no ‘brasileiríssimo’ jogo do bicho. O Brasil tem que amadurecer e enfrentar a questão do jogo de forma pragmática, sem o envolvimento de questões de ordem moral ou religiosa. É necessário legalizar e regulamentar o jogo antes de proibi-lo, pois a proibição leva ao jogo clandestino e o jogo clandestino leva a corrupção. Além disso, com o jogo legal ganham Estado e sociedade.
(Revista Hoteis –Edgar J. Oliveira)