GANHAM O ESTADO E A SOCIEDADE

Permanece polêmica sobre legalização dos jogos de azar

Sociedade, governo e especialistas debatem riscos à saúde, lavagem de dinheiro e expectativa de incremento na economia

A polêmica proposta de legalização dos jogos de azar é um dos itens da chamada “Agenda Brasil”, conjunto de medidas do governo de Michel Temer para retomar o crescimento econômico do país. Tirar o país da crise é a meta principal do PMDB para o ano de 2017. A legalização da jogatina tramita no Senado como projeto de lei nº 186/14. Se aprovada, bingos, cassinos e apostas eletrônicas, como máquinas caça-níqueis e o popular jogo do bicho, terão permissão para funcionar regularmente em todo território nacional e, nos cálculos dos defensores da proposta, devem movimentar R$ 20 bilhões por ano.

Os favoráveis ao projeto entendem que haverá retorno bilionário aos cofres públicos. Já quem se posiciona contra a legalização dessas atividades ressalta os prejuízos para a saúde dos jogadores e possíveis danos ao SUS. Há ainda a possibilidade de se abrir um novo espaço para lavagem de dinheiro e crimes de corrupção por políticos e empresários.

Trinta dias. Esse foi o tempo necessário para Bruno*, 42 anos, ter problemas em sua vida por causa do jogo. Em apenas uma noite, ele chegou a perder R$ 150 mil. “Tive que vender dois lotes para pagar a aposta”, disse ele ao Correio. O agropecuarista viveu um momento conturbado. “Cheguei a perder o contato com a minha família, passava o dia todo jogando. A minha esposa queria a separação”, comentou Bruno.

Maria*, que joga há 20 anos, define a atividade como entretenimento, lazer e brincadeira. “Comecei a jogar assim que me casei, a maioria da família do meu esposo joga. E, desde então, o jogo é uma distração”, contou. Ela já chegou a vender panelas, móveis da casa e fazer empréstimos para continuar jogando. “Tem dias que você não tem dinheiro, mas você quer jogar e faz tudo que é possível para conseguir dinheiro”, afirma Maria.

Francisco* tem 54 anos, sendo 35 dedicados ao jogo. Carrega consigo várias histórias sobre a jogatina, a maioria, de perdas. Casas, lotes, carros, dinheiro, móveis da casa e a própria família são alguns dos bens que ele chegou a perder por causa do vício. “Em uma noite, cheguei a perder R$ 4 mil. Em outras, cheguei a gastar cinco salários-mínimos e não tinha dinheiro nem para voltar para casa. E minha primeira esposa pediu que escolhesse entre ela e o jogo e, mesmo assim, continuei jogando”, comentou.

De acordo com Suely Guimarães, psicóloga e pesquisadora da UnB, a prática do jogo estimula a parte do cérebro responsável pelo prazer e recompensa. “O jogo é a única dependência que não é química. O ato de jogar estimula a mesma área do córtex cerebral responsável pela recompensa e pelo prazer, mesma área estimulada pela dependência química”, destacou.

75 anos

O argumento mais usado em defesa da legalização dos jogos é o montante que essa atividade poderia movimentar na economia. Assim, a Receita Federal poderia fiscalizar e tributar todas essas atividades, e os trabalhadores do setor sairiam da informalidade. O presidente do Instituto Brasileiro Jogo Legal, Magno José Santos de Sousa, afirma que, regularizados, cassinos, loterias e sorteios movimentariam no mínimo R$ 20 bilhões ao ano, podendo chegar a 1% do Produto Interno Bruto (PIB), de acordo com dados de 2014, de uma pesquisa feita pela entidade com a jogatina na ilegalidade. As loterias da Caixa Econômica Federal movimentaram apenas R$ 13,4 bilhões. “Nós temos um atraso monumental do Brasil na questão da legalização de jogos e loterias, O jogo está proibido há 75 anos. As demais economias legalizaram, fiscalizaram e arrecadaram. No G20, apenas Brasil, Arábia Saudita e Indonésia não têm jogo legalizado. São Países islâmicos é uma questão religiosa.”

Roberto Lasserre, coordenador do Movimento Brasil Sem Azar, acredita que a legalização do jogo será benéfica apenas a empresários, principalmente de caça-níqueis, e uma parte do governo. “O governo acredita que vai faturar, mas uma hora ele vai perceber que foi esforço demais para pouco retorno”, avaliou.

O economista e ex-professor da Universidade de Nevada (EUA) Ricardo Gazel assegura que, se aprovado o projeto, o governo enfrentará problemas. “O setor público terá que ampliar seus gastos com saúde, especialmente ligados aos jogadores patológicos. Os custos são altos e o nosso sistema de saúde não tem uma estrutura para esse atendimento. Será um caos”.

Investigadores da Polícia Federal e do Ministério Público já se manifestaram diversas vezes, nos últimos dois anos, afirmando que a legalização vai abrir mais uma porta para lavagem de dinheiro no país. (*nomes fictícios para preservar a identidade dos entrevistados) (Correio Braziliense - Renato Souza - Especial para o Correio, Evelin Mendes – 29.01.2017)