Loteria de forma mais ampla e jogos online geram impostos
voluntários e poderiam colaborar para reduzir o atual rombo das contas públicas
brasileiras. Pelo menos é isso que dizem os defensores da liberação desses
jogos no país.
Dados
do Instituto Jogo Legal apontam que o Brasil deixa de arrecadar hoje R$ 20
bilhões em impostos por ano, valor suficiente para bancar oito meses do
orçamento destinado ao Programa Bolsa Família em 2019, que deve consumir R$ 30
bilhões.
Esse
valor é calculado com base nas estatísticas de países que já têm jogos, hoje
tidos como “de azar” no Brasil, como cassinos e bingos.
Em
geral, a movimentação de jogos nesses países representa 1% do PIB (Produto
Interno Bruto) e, no Brasil, a tributação estimada seria de 30% sobre esse
giro.
Mas
esse número pode ser ainda maior.
“Esse
é um número pessimista, existe uma demanda reprimida no país, com medo de
entrar em uma casa clandestina”, diz o presidente do Instituto Brasileiro Jogo
Legal, Magno José Santos.
Um
estudo feito em 2015 pela Fundação Getulio Vargas (FGV), a pedido do Ministério
da Fazenda na época, apontou que os jogos poderiam movimentar R$ 174,7 bilhões,
com arrecadação de impostos estimada em R$ 58,8 bilhões anuais. Ou seja, o
suficiente para bancar o Bolsa Família por quase dois anos.
Um
relatório divulgado no início de julho pela GamblingCompliance, empresa de
inteligência regulatória para a indústria de jogos e blockchain, aponta que a
liberação das apostas no Brasil abre a oportunidade de se gerar US$ 1 bilhão em
receitas.
“Para
uma população que reluta em aumentar impostos, aumentar a arrecadação seria
ótimo”, afirma Leonardo Palhares, sócio do Almeida Advogados, que sediou um
debate sobre o tema em maio.
Além
disso, a regulamentação das apostas online ajudaria a coibir atividades
ilegais. A conclusão foi dos debatedores que estiveram na Comissão do Esporte
na Câmara dos Deputados no fim de maio.
Apesar
da avaliação na Câmara ter deixado um saldo positivo, o assunto ainda é tabu no
país, tanto que há 16 projetos de lei para regulamentação dos chamados “jogos
de azar” em tramitação na Casa.
Alguns
deles foram apresentados há mais de 25 anos e praticamente não andaram durante
todo esse tempo. Enquanto isso, os jogos online já são regulamentados em mais de
60 países.
Recentemente
ganhou força na discussão uma lei do ano passado (Lei 13.576/18) que autoriza
os jogos de apostas esportivas, por meio físico ou pela internet no Brasil. No
entanto, a lei ainda precisa ser regulamentada.
Para
o deputado Evandro Roman (PSD-PR), que pediu o debate realizado em maio, a
regulamentação das apostas poderá coibir ilegalidades, como a lavagem de
dinheiro, e ajudar a proteger os consumidores e a gerar receitas tributárias.
R$ 50 bilhões em loterias
O
mercado brasileiro de loterias e jogos movimenta atualmente pelo menos R$ 50
bilhões por ano. Desse total, 44% são de títulos de capitalização, que ele
chama de “loteria travestida”.
Outros
30% são de loterias federais, 8% de apostas esportivas, 6% de jogo do bicho, 6%
de cassino, 4,7% de bingos, 0,7% de loterias estaduais e 0,6% são de corridas
de cavalos.
Nos
jogos que são atualmente ilegais, a fonte mais confiável para estimar os
valores é a Pesquisa de Orçamentos Familiares, do IBGE (Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística). Nesse levantamento, as próprias pessoas declaram seus
gastos.
Ainda
assim, Pedro Trengrouse, vice-presidente da Comissão Especial de Direito de
Jogos Esportivos, Lotéricas e Entretenimento do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil, acredita que os números estejam subestimados.
Na lanterninha
O
especialista aponta que a arrecadação brasileira com loterias e apostas online
ainda está muito distante de seu potencial e fica atrás de muitos países onde o
marco regulatório é mais eficiente.
De
acordo com dados apresentados pela Caixa Econômica Federal em audiência pública
na Câmara dos Deputados, a arrecadação com loterias na Itália alcança US$ 34
bilhões por ano, com valor per capita de US$ 565.
A
França movimenta US$ 16 bilhões, com US$ 249 per capita, e apenas Nova York
arrecada US$ 9 bilhões por ano, sendo US$ 456 per capita.
Enquanto
isso, no Brasil essa arrecadação não ultrapassa US$ 4 bilhões, com venda per
capita de US$ 18,53, ficando atrás de Portugal (US$ 228), Uruguai (US$ 40) e
Argentina (US$ 36).
Um
dos fatores que explica a baixa arrecadação das loterias no Brasil é o fato de
que a legislação prevê uma parcela menor para os prêmios no Brasil, em
comparação a outros países. A média mundial supra os 50%.
1 milhão de empregos
A
liberação dos chamados “jogos de azar” teria potencial de gerar 1,3 milhão de
empregos, segundo o presidente do Instituto Brasileiro Jogo Legal, Magno José
Santos, sendo 659 mil vagas diretas.
Esse
volume de vagas estimadas é mais do que o dobro do saldo de empregos formais
gerados no país no ano passado (529.554).
Para
essa conta, Santos diz que leva em consideração dados do BNDES (Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social) sobre o setor de serviços e números
informais sobre os “jogos de azar”.
“O
jogo do bicho tem 350 mil pontos de venda com 450 mil trabalhadores hoje”, diz
Santos.
A
indústria de cassinos americana gera cerca de 1,7 milhão de empregos.
Títulos de capitalização é concorrência?
Para
Pedro Trengrouse, sim. Os títulos de capitalização foram apontados por ele,
durante audiência pública na Câmara, como “um atentado contra a economia
popular”.
Trengrouse
avalia que esse tipo de serviço financeiro “canibaliza” o mercado de loterias
do país.
As
loterias da Caixa Econômica arrecadaram R$ 13,85 bilhões em 2018, enquanto os
títulos de capitalização tiveram receita 51,6% maior, de R$ 21 bilhões.
Esse
movimento é decorrente, segundo Trengrouse, de uma legislação antiga e confusa.
“Essa
concorrência desleal precisa ser resolvida por lei”, escreve Pedro Trengrouse
em memorando.
Trengrouse
apontou em sua apresentação na comissão da Câmara as seguintes vantagens dos
títulos de capitalização sobre as loterias:
–
títulos estão disponíveis em mais de 23 mil agências e quase 40 mil postos
bancários, enquanto loterias estão em 14 mil casas lotéricas
–
títulos são oferecidos “ativa e insistentemente”, enquanto as loterias são
vendidas passivamente
–
títulos pagam prêmios menores que as loterias
“É
bem provável que uma das razões para que não tenha havido proposta sequer no
leilão da Lotex tenha sido justamente a autorização para que títulos de
capitalização ofereçam premiação instantânea”, avalia Trengrouse.
O
leilão da Lotex teve sete tentativas fracassadas e, agora, o governo decidiu
flexibilizar as regras para a concessão das “raspadinhas”, como são conhecidas
as loterias instantâneas.
As
filas também jogam contra as lotéricas. Segundo Trengrouse, as filas enormes
geradas por outros serviços oferecidos, como os bancários, levam à desistência
dos jogos por impulso.
Em
defesa dos títulos de capitalização, Carlos Alberto Corrêa, diretor executivo
da FenaCap (Federação Nacional de Capitalização), afirma que a pessoa que
compra um bilhete de loteria e não é premiada perde todo o dinheiro, enquanto o
título é “um instrumento de capitalização financeira” e que não visa apenas a
premiação por sorteio.
Corrêa
conta ainda que o segmento gera mais de 70 mil empregos diretos e indiretos.
Efeitos danosos
Um levantamento
da Paraná Pesquisas, feito em maio a pedido do Instituto Brasileiro do Jogo
Legal, aponta que 52,1% dos 513 deputados federais aprovariam a legalização dos
“jogos de azar”, incluindo cassinos, bicho, bingos e apostas online.
Os
indecisos somaram 7,1% e os contrários à liberação representavam 40,8%. Entre
as razões apontadas para não liberar os jogos estavam:
–
Facilidade para lavar de dinheiro (20,6%)
–
Aumento do vício (17,2%)
–
Religião (10,1%)
–
Fiscalização deficitária (9,7%)
–
Ausência de controle por parte do governo (9,2%)
– É
contra jogos de azar (0,4%)
–
Influência menores de idade a jogar (0,4%)
–
Outras citações (1,2%)
–
Não souberam citar (2,9%)
A
preocupação com o aumento do vício em jogos não é à toa. Em Portugal, 0,6% dos
adultos assume ter problemas patológicos com jogos e 1,2% admite ter problemas
com o abuso das apostas.
No
último ano, 125 mil portugueses começaram a jogar, somando 1,3 milhão de
jogadores registrados. Também em 12 meses, mais de 14 mil jogadores pediram
para ser barrados em sites de apostas. O motivo? Reconheceram que a relação com
os jogos não era saudável.
O
vício gera custos ao sistema de saúde. Estima-se que de 0,2% a 3% dos adultos
sofrem de algum problema relacionado aos jogos e apostas.
Hermano
Tavares, psiquiatra e professor do departamento de psiquiatria da Universidade
de São Paulo (USP), disse em entrevista à Agência Brasil em
2016 que a demanda por tratamento de jogadores compulsivos praticamente
triplica quando as apostas são liberadas.
“Defendo
que a própria indústria pague a conta, que tenha uma tarifa junto ao órgão
regulador para que parte dos custos seja destinado ao tratamento do jogador
patológico”, afirma o presidente do Instituto Brasileiro Jogo Legal.
Sobre
a lavagem de dinheiro, outra preocupação importante demonstrada pelos
deputados, Trengrouse explicou em sua apresentação na Câmara que é a falta de
regulamentação nos jogos que abre brechas para ilegalidades.
Ele
citou o caso dos “anões do orçamento” e que, há alguns anos, o Coaf identificou
30 pessoas que, juntas, ganharam na loteria 1.802 vezes.
Em
10 de julho, o presidente da Comissão de Turismo, Newton Cardoso Jr. (MDB-MG)
entregou ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) os projetos
prioritários da Comissão de Turismo e incluiu o projeto (Lei 442/1991), que
trata da legalização dos Jogos.
“Como
o Dia Mundial do Turismo é comemorado no dia 27 de setembro, pensamos que essa
seria a semana ideal para consolidar esse esforço. Por tal motivo, venho por
meio deste, solicitar apoio para inclusão de projetos de lei voltados para o
turismo na pauta da Ordem do Dia do Plenário da Casa”, escreveu Newton Cardoso
Jr.
As
apostas online são legalizadas em 97% dos países que fazem parte da OCDE
(Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e em 93% dos países
do G-20, grupo formado pelas maiores economias do mundo. (Valor Invest –
Weruska Goeking – São Paulo)