Polêmica. Após a ampliação do rigor nas penas do novo Código Penal, a questão dos jogos ilegais voltará à discussão no Congresso
Empresários apontam que atividade nunca foi proibida e defendem a legalização para garantir maior arrecadação aos cofres públicos
A prisão, na última semana, de uma megaquadrilha, que faturava até R$ 3 milhões por mês no Distrito Federal explorando o jogo do bicho, voltou a jogar luz sobre o tamanho desse mercado ilegal no país.
Um debate que vai acabar no Congresso Nacional, pois o novo Código Penal quer ampliar o rigor contra as apostas ilegais, mas o lobby para a legalização dos jogos de azar no Brasil é forte.
Os empresários ligados a atividades como bingo, videobingo, jogo do bicho, cassino e apostas esportivas pedirão aos parlamentares uma audiência pública para apresentar seus argumentos. O principal é financeiro: ao legalizar o jogo do bicho, o governo poderia arrecadar até R$ 60 bilhões por ano com impostos, segundo estudo do Boletim de Notícias Lotéricas.
Proibida há 72 anos, a modalidade jamais deixou de existir e, atualmente, movimenta mais recursos do que a loteria tradicional, tem mais locais de apostas e, consequentemente, mais apostadores. Enquanto as loterias operadas pela Caixa Econômica Federal movimentam R$ 11,1 bilhões por ano, os jogos ilegais atingem a cifra de R$ 18,9 bilhões - 70% a mais.
A principal barreira da legalização, porém, é o estigma da atividade, de financiar, por
exemplo, o crime organizado ou esquemas de corrupção. Em fevereiro deste ano, a operação Monte Carlo desbaratou uma rede de jogos ilegais que levou à prisão do bicheiro Carlinhos Cachoeira e à cassação do senador Demóstenes Torres. A revelação foi suficiente para que a nova legislação penal fosse mais rigorosa.
Popular
A extensa ficha criminal do jogo do bicho não impede que por décadas os brasileiro mantenham-se fazendo suas apostas. Estima-se que 20 milhões de apostadores joguem por dia. O principal atrativo são as premiações maiores. O vencedor leva, em média, 60 centavos de cada R$ 1 da aposta e tem maior facilidade para apostar: são 350 mil pontos espalhados pelo país.
Na loteria tradicional, existem 12,6 mil pontos de venda (a maioria casas lotéricas), e o retorno para o prêmio é muito menor: 36 centavos por cada real apostado. Isso ocorre porque sobre o dinheiro arrecadado é cobrado imposto de renda e há uma divisão entre COB (Comitê Olímpico Brasileiro), Comitê Paralímpico Brasileiro, Fundo
Nacional da Cultura, Seguridade Social, Fies, Fundo Penitenciário Nacional, custeio e manutenção da Caixa, taxa de administração e comissão dos lotéricos.
Pelo mundo
O argumento favorável à legalização se baseia na experiência internacional. Em muitos países, o jogo ilegal foi combatido com jogo legalizado.
Na Itália, havia 400 mil máquinas nas ruas há quatro anos. O governo chamou os operadores e fixou os valores do imposto. O número de equipamentos caiu pela metade, mas foram ligados à Receita Federal e existe controle, inclusive, para que o apostador não seja lesado.
No cenário internacional, o Brasil aparece ao lado apenas de países islâmicos quando a questão é tornar o jogo ilegal. Divide a proibição com Arábia Saudita e Indonésia entre os países do G-20, que reúne as principais economias do mundo; na América do Sul, apenas Guiana, Guiana Francesa e Bolívia também proíbem.
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Magnho José - “No mundo inteiro, o jogo ilegal foi combatido com jogo legalizado”
O especialista em loterias e apostas defende que o Brasil enfrente o debate sobre a legalização dos jogos.
Por quê legalizar os jogos?
Porque o jogo legalizado é injusto com o apostador. Para o governo é um produto maravilhoso, mas para o apostador é péssimo. A Mega-Sena da Virada vendeu R$ 640 milhões em 2012, para um prêmio de R$ 240 milhões. De cada R$ 1 apostado, apenas R$ 0,36 vão para o prêmio. Até dinheiro para enchente é sustentado pela loteria. E aí você vai canibalizando os prêmios dos apostadores
A ligação com a contravenção não joga contra?
Quando você tem uma atividade muito tempo à margem da lei, há corrupção, suborno, descontroles. Falta regularização, como a Caixa faz com as lotéricas. A culpa da ilegalidade não é de quem opera, mas do Estado, que não enfrenta esta questão como outros países. O Brasil precisa parar de olhar o jogo como um tabu, da mesma forma que vê a liberação da droga, aborto e casamento de pessoas do mesmo sexo.
De que forma a população seria beneficiada?
Menos imposto que vai ser criado. Os impostos do jogo podem vir a ser maiores que,
por exemplo, o IPI das bebidas (R$ 3,1 bilhões), o IPI de carros (R$ 4,1 bilhões), a Cide, que é o imposto da gasolina (R$ 2,7 bilhões).
Qual o risco da criminalização?
O jogo vai para a milícia ou vamos começar a receber máfias internacionais. Vamos sentir saudades dos bicheiros.
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“Já restou demonstrado de forma indiscutível à sociedade brasileira o quão nefasto é o jogo do bicho, agora não mais contravenção penal, mas crime.” Pedro Taques, Senador (PDT-MT) e relator do novo Código Penal.
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A origem: Ajuda ao zoológico
Em 1892, o barão João Batista Drumond queria atrair público para o recém-fundado Jardim Zoológico de Vila Isabel, no Rio de Janeiro. Diariamente, um dos 25 animais do local era encoberto por um pano. Um prêmio em dinheiro era dado ao frequentador que tivesse o bicho escolhido estampado no bilhete de entrada. O ganhador pagava 1 mil réis e poderia sair com 20 vezes o valor pago. O jogo caiu no gosto popular e se espalhou em bancas da cidade. Cada animal ganhou um conjunto de números sorteados por uma sequência numérica da loteria tradicional.
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Nova lei
Veja as principais mudanças prevista no novo Código Penal.
Rigor
Exploração do jogo.
Pena atual: três meses a 1 anos de prisão.
Nova punição: 3 a 8 anos de prisão
Nova modalidade
Criminalização da prática de apontador do jogo do bicho.
Pena: 1 a 3 anos de prisão.
(Marcelo Freitas - Jornal Metro Brasília)