A avaliação, inclusive na frente parlamentar do Congresso
que atua pela regulamentação da atividade, é de que a ideia em gestação no
governo federal atende a interesses de empresários do ramo de cassinos dos Estados
Unidos.
Em
um dos momentos da reunião em que não se falava de "intervenção",
Álvaro Antônio disse ao presidente Jair Bolsonaro que, dentro do plano de
retomada econômica do Brasil, uma alternativa importante seria a permissão para
a construção de "resorts integrados" no país, com a existência de
cassinos nos estabelecimentos.
“Não
é legalização de jogos, não é bingo, não é caça-níquel. São resorts integrados.
(...) Nós temos a possibilidade de atrair pelo menos 40 bilhões de dólares para
o Brasil só de outorgas, de investimentos imediatos com essa pauta. (...) Uma
grande oportunidade para o Brasil atrair grandes complexos dos quais apenas 3%
são utilizados para os cassinos”, disse Álvaro Antônio, que enfatizou a
necessidade de costurar a proposta com a bancada evangélica, uma das principais
bases de apoio de Bolsonaro, e que é contra a liberação do jogo.
A
ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, é
evangélica e foi a primeira a reagir à proposta do ministro do Turismo. “Pacto com
o diabo”, bradou Damares, que ainda citou o emprego de empresas de jogo em
possíveis atividades de lavagem de dinheiro do crime.
Apesar
de Damares, a manifestação de Álvaro Antônio encontrou eco no núcleo do
governo. Walter Braga Netto, chefe da Casa Civil e coordenador daquela reunião,
ocasião em que apresentou o plano Pró-Brasil, sinalizou ao colega do Turismo
uma reunião específica para discutir a pauta. E o ministro da Economia, Paulo
Guedes, também demonstrou simpatia à discussão da liberação de cassinos no
Brasil.
“Ô,
Damares. Deixa cada um. O presidente fala em liberdade. Deixa cada um se foder
do jeito que quiser. Principalmente se o cara é maior, vacinado e bilionário.
Deixa o cara se foder, pô! Lá (cassino) não entra nenhum brasileirinho desprotegido”,
disparou Guedes. Bolsonaro não fez uso da palavra neste trecho da reunião, e o
vice-presidente Hamilton Mourão brincou com a alusão de que levassem
"Damares para jogar uma roleta".
Em
contato com a reportagem, a assessoria de imprensa do Ministério do Turismo
disse que a ideia ainda é "embrionária" e que a intenção é,
realmente, dissociar o projeto de modalidades como bingo, máquinas caça-níquel
e jogo do bicho, atividades que operam hoje cifras bilionárias na
clandestinidade, tendo grandes públicos.
“Por
que eu deixarei na contravenção, no lado cinzento da sociedade, o jogo do
bicho, que é genuinamente brasileiro? Ou legaliza tudo, ou não legaliza nada.
Não posso ter um cassino bonitinho em São Paulo ou na Barra da Tijuca e, na
porta, ter um menino fazendo anotação do bicho, na esquina um caça-níquel e no
outro lado da rua uma casa de jogo eletrônico. Por que privilegiar o lobby de
um grupo americano, o Las Vegas Sands, que só quer se instalar no Brasil se for
ele sozinho?”, questiona o deputado federal Bacelar (Podemos-BA), presidente da
Frente Parlamentar Mista pela Aprovação do Marco Regulatório dos Jogos.
O
Las Vegas Sands, citado pelo parlamentar, é controlado pelo bilionário
norte-americano Sheldon Adelson. Bacelar diz que a eventual legalização de
bingos e do jogo do bicho irá gerar a criação e a formalização de 600 mil
empregos no país, com arrecadação de imposto anual em torno de R$ 15 bilhões,
considerando todas as modalidades que possam ser regulamentadas.
Presidente
do Instituto Jogo Legal, Magno José Santos de Sousa diz que não há, hoje,
diálogo aberto do setor já atuante no Brasil com o governo federal. “O governo
faz movimentos dúbios. Bolsonaro já fez negativas públicas, dizendo que no
governo dele não se discute cassino. Mas, em janeiro deste ano, o senador
Flávio Bolsonaro esteve em Las Vegas e se reuniu com representantes do Las
Vegas Sands. O que eles pretendem é legalizar meia dúzia de cassinos,
basicamente em São Paulo, Rio e Brasília. Defendemos que toda a demanda do
mercado seja legalizada. O Brasil hoje movimenta R$ 20 bilhões por ano em
apostas e jogo não regulamentado”, diz Sousa, apontando que o brasileiro médio,
aquele que gosta e tem condições econômicas de se aventurar somente no bicho ou
no bingo, continuaria circulando na clandestinidade.
REPERCUSSÃO NO RS
No
Rio Grande do Sul, prefeitos de cidades apontadas costumeiramente como
possíveis destinos de cassinos manifestaram que existem expectativas, mas ainda
há falta de informação e clareza. Um pressuposto fundamental seria definir,
caso a proposta federal avance, se a liberação de cassinos se daria em todo o
território nacional ou exclusivamente em regiões turísticas, litorâneas, de
águas termais e de fronteira.
“Eu
diria que existe ambiente de expectativa. O que temos hoje são rumores de
interesse. Recebemos visitas esporádicas de empresários, todos de fora do
Estado, e eles dizem representar grupos internacionais dos Estados Unidos e da
Europa com interesse em se estabelecer neste ramo (cassinos). Eu sempre
respondo que é preciso esperar que seja delineado o perfil dessa nova
atividade”, diz Fedoca Bertolucci, prefeito de Gramado.
Em
Santana do Livramento, que faz fronteira com a uruguaia Rivera, onde há
cassino, a prefeita Mari Machado entende que a cidade estaria apta a se
candidatar pelo seu potencial em turismo de compras. Caso a proposta avance,
ela pretende abrir diálogo com o setor hoteleiro do município. “Já temos aqui
um empreendimento com característica de resort (parque de águas termais
Amsterland)”, diz a prefeita.
SITUAÇÃO NO CONGRESSO
Na
Câmara dos Deputados, está apto para votação em plenário o projeto de lei
442/91, que prevê a ampla legalização do jogo no Brasil, desde o bicho até as
máquinas caça-níquel, o bingo, as apostas online e os cassinos. Em agosto de
2016, o texto foi aprovado em uma comissão especial. Desde lá, aguarda ser
pautado para votação em plenário, onde mudanças poderão ser feitas no seu
conteúdo, inclusive para aprovar apenas os cassinos, conforme a inclinação do
Ministério do Turismo.
Pela
proposição da Câmara, levando em consideração o critério populacional, seriam
permitidos, no máximo, três cassinos em São Paulo, dois no Rio e em Minas
Gerais, e um nos demais Estados. Eles teriam de ser instalados,
obrigatoriamente, em complexos hoteleiros como os resorts.
“Fizemos
uma pesquisa no início do ano que mostrou 52% dos deputados federais favoráveis
à liberação total do jogo. Estivemos próximos de votar o projeto 442/91 em
2017, mas aí veio esse lobby de autorizar exclusivamente os cassinos, e acabou
gerando divisão”, diz Bacelar.
Fonte:
Zero Hora