No
vácuo legal deixado pelo governo federal, que não regulamentou a lei de 2018
que autoriza apostas esportivas no País, operadores do jogo do bicho e grupos
estrangeiros estão explorando o mercado. Apostas em jogos de futebol são
oferecidas em bancas controladas por contraventores por meio de terminais
eletrônicos informatizados e sites hospedados no exterior.
A exploração das apostas esportivas
foi aprovada pelo Congresso em dezembro de 2018. O prazo de dois anos para
regulamentação venceu no último dia 18 e foi prorrogado automaticamente por
mais dois anos. Por meio da regulamentação, o governo criaria regras para a
atuação das empresas no mercado. Como isso não foi definido, empresários
brasileiros são impedidos de entrar no setor que, segundo projeções, movimenta
R$ 6 bilhões por ano no Brasil – e o governo deixa de arrecadar tributos.
Sites estrangeiros como Bet365,
Betcris e SportingBet vendem apostas no País, sem regulamentação, patrocinam
times de futebol, placas em estádios e programas de TV. Levantamento feito pelo
Instituto Brasileiro Jogo Legal (IJL) mostra que o Bet365 teve 82 milhões de
acessos no Brasil em setembro do ano passado. O SportingBet teve 12 milhões de
entradas no mesmo período. Ambos pertencem a empresas do Reino Unido. Esses
grupos estão sujeitos à legislação dos países onde declaram ter suas sedes,
embora sejam abertos a clientes brasileiros.
Segundo o presidente do IJL, Magno
José Santos de Sousa, existem cerca de 450 sites hoje no Brasil oferecendo
apostas. Em outubro do ano passado o Supremo Tribunal Federal (STF) publicou
acórdão do julgamento no qual decidiu que a União não tem monopólio sobre o
setor de apostas abrindo brecha para que Estados e municípios criem suas
próprias loterias (mais informações na pág. A5). Levantamento feito pela
consultoria KPMG a pedido de empresas interessadas no setor mostra que o
mercado de jogos online no Brasil tem potencial de movimentar US$ 2,1 bilhões
(R$ 11,3 bilhões) por ano depois de regulamentado.
Além dos grupos estrangeiros, o jogo
do bicho também lucra com a falta de regulamentação. Nas últimas semanas, a
reportagem do Estadão encontrou bancas oferecendo apostas esportivas em pelo
menos três pontos da cidade de São Paulo, desde bancas de jornais e padarias na
periferia até no bairro dos Jardins.
Na Alameda Tietê, nos Jardins, a
única pista de que o estabelecimento é, na verdade, um ponto da contravenção é
um calendário, com os 25 animais usados no jogo do bicho e seus respectivos
números, pendurado na parede. Um homem apoiado em uma banca recebe as apostas
da contravenção e já pergunta logo de cara se o “freguês” também quer arriscar
a sorte nos resultados do futebol.
Não existe limite mínimo de valor
para os palpites. A cotação dos prêmios varia de acordo com critérios
esportivos como a colocação dos times no campeonato e mando de jogo. É possível
apostar em praticamente qualquer combinação de resultados: vitória ou empate de
um dos times, placar geral, gols no primeiro ou no segundo tempo, etc. Quanto
mais improvável o resultado, maior é o prêmio. Uma aposta de R$ 5 no placar
exato de um jogo do Campeonato Brasileiro a favor do time visitante, por exemplo,
pode pagar 12 vezes o valor investido (R$ 60).
O palpite, registrado no site Fourbet
por meio de um aplicativo de celular, pode ser pago em dinheiro ou cartão. O
apostador recebe um comprovante impresso com todos os detalhes da aposta e pode
reclamar o prêmio no mesmo local.
Os interessados neste tipo de jogo
podem fazer a mesma coisa se cadastrando em qualquer site de apostas
esportivas, mas, segundo o operador da banca, nos pontos da contravenção não é
necessário fornecer documentos e o pagamento pode ser feito em dinheiro.
Julgamento
O presidente do STF, ministro Luiz
Fux, pautou para 7 de abril o julgamento da ação – com repercussão geral –
sobre a validade da Lei das Contravenções Penais, de 1941. Com isso, o tribunal
pode liberar o jogo do bicho. Segundo analistas, no entanto, o acórdão do
próprio STF que permite a criação de loterias e sistemas de apostas pelos
demais entes federados abre brecha para que a atividade, proibida desde o
Estado Novo, seja legalizada.
“Nada impede que um Estado ou município
crie uma loteria na qual a matemática do jogo seja baseada em dezena, centena e
milhar e utilize imagens de animais, peixes ou qualquer outra coisa que, na
essência, é igual ao jogo do bicho”, disse o advogado Andre Feldman,
especializado no tema. O jogo do bicho foi criado em 1892 pelo barão João
Batista Vieira Drummond como forma de financiar a manutenção do zoológico do
Rio e proibido em 1941 por Getúlio Vargas. (Ricardo Galhardo, O Estado de S.Paulo)