Após anos parada no Congresso, a legalização dos jogos de azar voltará a ser discutida por meio de um grupo de trabalho (GT) criado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). A intenção dos integrantes do colegiado, todos pró-legalização, é votar até o fim do ano a proposta no plenário para regulamentar dos cassinos ao jogo do bicho.
O deputado Felipe Carreras (PSB-PE), aliado de Lira, disse que o ponto de partida será o parecer aprovado por uma comissão especial em 2016, mas que não chegou a ser votado em plenário. O texto regulamentava a existência de cassinos integrados a resorts, máquinas caça-níqueis, apostas online, bingos e jogo do bicho e anistiava os processos – o jogo é contravenção penal no Brasil, com pena de prisão de quatro meses a um ano.
“É uma coisa meio hipócrita os jogos não serem permitidos porque estão presente na vida da gente, tem nas comunidades, tem todo lugar. Se tiver regulamentado com lei, com imposto, com regra, gerando emprego, qual o problema?”, questionou Carreras. “O Brasil perde uma grande fonte de arrecadação e geração de empregos com essa informalidade”, disse.
Em parte, o projeto não foi votado em 2016 por conflitos entre os próprios setores dos jogos, que disputavam “mercado” entre si. Comentava-se que os investimentos para construção de grandes cassinos atrelados a resorts só atrairiam interessados se outras modalidades de jogos, como bingos, continuassem proibidas, mas deputados ligados ao setor atuaram para expandir a legalização, o que aumentou as resistências na sociedade civil e forças de segurança pública.
Outro foco de contrariedade com o projeto é a Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional. “A bancada evangélica sempre foi e será contra os jogos”, afirmou o deputado Cezinha da Madureira (PSD-SP), coordenador do grupo. “Podem criar o que quiser, jogos de azar não passa [na Câmara]. Só quem tem interesse nisso é quem quer lavar dinheiro”, disse o deputado Sóstenes Cavalcanti (DEM-RJ), da Assembleia de Deus Vitória em Cristo.
A bancada evangélica é uma das principais bases de sustentação do presidente Jair Bolsonaro no Congresso, o que pode pressioná-lo a se posicionar contra a proposta ou vetá-la, mas um defensor da legalização dos jogos está localizado no coração do governo: o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI), apresentou projeto próprio no Senado sobre o tema. O presidente da Câmara também é um entusiasta da proposta.
O relator pretende contornar as resistências utilizando parte da arrecadação, que, estima-se, será bilionária. “Por que não utilizar uma parte dos recursos dos impostos para ter essa ajuda para entidades de recuperação de drogados que são defendidas pelas igrejas? Parte pode ir também para cultura, desporto, para um fundo nacional de combate à corrupção, ligado ao Ministério Público e Polícia Federal”, sugeriu Carreras.
Segundo o presidente do GT, deputado Bacelar (Pode-BA), que também preside a Comissão de Turismo da Câmara, a intenção é votar no plenário até o fim do ano, sem usar o prazo de 90 dias indicado por Lira para funcionamento do colegiado. “O Brasil precisa de renda e emprego para ontem, com urgência. O setor de turismo tem cobrado isso direto”, afirmou.
O GT segue o modelo adotado pelo presidente da Câmara em outras matérias, como o Código Eleitoral e o Código de Processo Penal, com o discurso de que seriam mais ágeis. A diferença para as comissões é que esses grupos não seguem o regimento interno nas votações, não há divisão proporcional das vagas entre os partidos e os integrantes são indicados diretamente pelo presidente da Câmara – nas comissões, os partidos podem troca-los livremente.
Além de Carreras e Bacelar, o grupo é composto por outros defensores da legalização dos jogos de azar, como Marx Beltrão (PSD-AL), ex-ministro do Turismo que defendia essa pauta internamente no governo Michel Temer, Newton Cardoso (MDB-MG), Herculano Passos (MDB-SP), Augusto Coutinho (Solidariedade-PE) e Otávio Leite (PSDB-RJ). (Valor Econômico – Raphael Di Cunto, Valor — Brasília)