RIO — Com permissão para abertura de
até 6 mil bingos e cassinos e mais de 300 autorizações para operação do jogo do
bicho, o projeto de legalização dos jogos, aprovado pela Câmara, criou uma
expectativa de arrecadação que agora é alvo de interesse de governos estaduais
e de prefeituras. Esse deve ser um dos principais pontos de debate no Senado, a
próxima etapa na tramitação da proposta.
A projeção de parlamentares e
especialistas é de que a exploração de bingos, cassinos e pontos do jogo do
bicho pode representar R$ 4,5 bilhões por ano em tributos para o governo
federal, que, de acordo com o texto, encaminhará um terço deste valor para
estados e municípios. A possibilidade de que a nova legislação, além de
regularizar atividades já existentes, amplie a oferta física e virtual de jogos
no país, tem levado agentes públicos a se preparar para pleitear uma fatia
maior na distribuição desses recursos.
O projeto cria um tributo único, a
Cide-Jogos, com alíquota de até 17% sobre a receita bruta de jogos, e não prevê
a incidências de outros impostos, como o ISS. Secretários municipais de Fazenda
argumentam que a atividade não pode ser isenta do imposto, recolhido por
prefeituras sobre prestação de serviços.
O mapa da jogatina
Projeto aprovado na Câmara prevê
regularização dos jogos operados hoje de forma ilegal e aumento do alcance da
atividade no país
O relator do projeto, deputado Felipe
Carreras (PSB-PE), afirma que dialogou com representantes da Frente Nacional de
Prefeitos (FNP) e com o Comitê Nacional dos Secretários Estaduais de Fazenda
(Comsefaz). O GLOBO procurou governadores dos nove estados mais populosos, que
concentrarão o maior número de licenças para jogos, e apenas o do Rio se
pronunciou.
O governador Cláudio Castro (PL)
afirmou, por meio de nota, que a projeção econômica da legalização dos jogos é
positiva, e que a medida deve fomentar o turismo, gerar emprego e renda, e
impulsionar o desenvolvimento regional. “A combinação geraria ganhos inegáveis,
possibilitando ao estado se consolidar ainda mais como destino turístico para
as Américas e o mundo”, disse ele, no texto.
O governador do Rio defendeu ainda que
“a iniciativa deve ser seguida de mecanismos de fiscalização que impeçam que a
atividade econômica estimule um ambiente turvo, propício a ilegalidades”. Ainda
de acordo com Castro, “será necessário garantir uma prática responsável, sem promoção
da compulsão e do vício”.
A fatia de cada um
O faturamento total estimado pelo
relator do projeto para bingos, cassinos e jogo do bicho é de R$ 40 bilhões. As
loterias da Caixa, citadas como parâmetro para as estimativas, tiveram R$ 18,4
bilhões em apostas em 2021, dos quais 30% foram pagos em prêmios.
Do montante recolhido pela Cide-Jogos,
após serem descontados prêmios pagos pelos operadores, restaria R$ 1,4 bilhão a
ser dividido entre o Fundo de Participação dos Estados (FPE) e o Fundo de
Participação dos Municípios (FPM).
Os valores restantes serão destinados a
fundos nacionais de cultura, saúde e segurança pública, e também para a
Embratur. O governo federal, por sua vez, recolherá uma taxa de fiscalização
trimestral entre R$ 20 mil e R$ 600 mil, de acordo com a atividade. Só com a
operação de bingos, estimativas conservadoras apontam uma arrecadação anual de
quase R$ 50 milhões. No caso de cassinos, chegaria a R$ 65 milhões. A
legislação não prevê receitas para estados e municípios atuarem na
fiscalização, e delega a responsabilidade para o Ministério da Economia.
— A legislação de apostas precisa
trazer uma receita para financiar políticas públicas em relação a seus efeitos
colaterais, especialmente na área de saúde e educação. Entendo que uma parte da
Cide tem essa finalidade, mas também são importantes para isso as receitas
auferidas diretamente pelos municípios, como através do ISS — afirmou o
presidente da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais
(Abrasf), Jeferson Passos, que é secretário de Fazenda de Aracaju.
O relatório de Carreras, ao estipular a
Cide-Jogos, veta a incidência de “quaisquer outras contribuições ou impostos
sobre faturamento, renda ou lucro decorrentes” de jogos.
O presidente da Abrasf avalia que o
ISS, embora não incida sobre apostas e prêmios, seria obrigatório por lei em
situações como o pagamento de comissão a responsáveis pelos pontos de jogo,
prática que costuma ocorrer hoje informalmente com os “apontadores” do jogo do
bicho.
Na votação na Câmara, o PT fez um
destaque para elevar a alíquota da Cide para 30%, sob argumento de que a taxa
de 17% é defasada em relação a outros países com jogo legalizado, mas o texto
foi mantido. O relator do projeto argumenta que empresas do ramo de
entretenimento, categoria em que os jogos se enquadrariam, têm hoje uma carga
de impostos entre 13% e 16% no Brasil.
Potencial turístico
O projeto prevê que todos os municípios
podem ter ao menos um bingo, com até 400 máquinas. Além disso, estabelece que
os estados podem ter um operador de jogo do bicho, chamado popularmente de
“bicheiro”, para cada 700 mil habitantes. O Rio, por exemplo, poderia contar
com 25 operadores.
O relator afirma que a legalização do
jogo vai estimular o potencial turístico do país. Versões iniciais do projeto
previam que “polos ou destinos turísticos” a serem definidos pela União e pelos
estados poderiam receber um cassino cada. Já o relatório aprovado contém,
segundo Carreras, “travas”, liberando na prática um cassino turístico por
estado. As unidades da federação também poderão autorizar cassinos em
“complexos integrados de lazer”, estruturas formadas por hotel, centro de
convenções e lojas comerciais.
— Cassinos mudam a matriz turística das
regiões. Macau, que recebia dez milhões de turistas estrangeiros por ano,
triplicou o número. O Brasil, mesmo tendo sediado Copa e Olimpíadas, há duas
décadas não passa de 7 milhões. Um estado como o Rio poderá ter dois cassinos
em grandes complexos, com investimento na casa de R$ 1 bilhão, e um cassino
turístico de menor porte, aproveitando a infraestrutura hoteleira existente —
avalia Carreras.
O presidente do Instituto Brasileiro
Jogo Legal (IJL), Magno José, afirma que a pandemia da Covid-19 desacelerou o
investimento no mercado de jogos. Ainda assim, segundo levantamento, países
como Estados Unidos, Itália, Espanha e França movimentaram o equivalente a 0,5%
até 1% de seu Produto Interno Bruto (PIB) em apostas no último ano. No Brasil,
o índice representaria entre R$ 35 bilhões e R$ 70 bilhões. Para o
especialista, uma estimativa realista, no atual cenário econômico, sugere cerca
de 600 bingos e 25 cassinos no país. Ele avalia que também há expectativa sobre
o alcance do setor de jogos de apostas online, outra modalidade autorizada pelo
projeto de lei — a regulamentação, neste caso, será definida posteriormente pelo
Ministério da Economia.
— Um cassino de grande porte, como os
de Las Vegas, chega a empregar três mil pessoas. Um bingo, em média, pode
empregar 250. Com 600 bingos, estaríamos projetando até 150 mil empregos —
afirma. (O
Globo – Bernardo Mello)
(Foto: Paulo Sergio / Câmara dos Deputados)