Impressiona como
algumas entidades de classe se prestam a produzir documentos que comprovam o
despreparo e a desinformação destas instituições para os temas em que se
colocam contrárias na sociedade, principalmente contra a legalização dos jogos.
Nesta sexta-feira
(1º) o Conselho Nacional de Procuradores-Gerais (CNPG) divulgou Nota Técnica para sensibilizar a sociedade sobre a tramitação do
Projeto de Lei n.º 442/1991, que se encontra atualmente no Senado Federal.
Segundo o documento,
o projeto de lei que legaliza os jogos de azar no país, como bingos, máquinas
caça-níquel e jogo do bicho, são “atividades historicamente controladas por
intermédio de estruturadas e violentas organizações criminosas, que
simultaneamente exploram e cometem inúmeras outras atividades ilícitas
(homicídios, tráfico de entorpecentes, extorsão, corrupção), inclusive em
alianças com facções e milícias”.
A Nota Técnica,
elaborada pelo Grupo Nacional de Combate às Organizações Criminosas (GNCOC) do
CNPG e que contou com cooperação de promotores de São Paulo, “contextualiza os
riscos e danos que a legalização dos jogos de azar pode causar à sociedade”.
De acordo com o
documento, da forma como foi aprovado o projeto de lei na Câmara dos Deputados,
“a exploração de jogos de azar no país ficará numa espécie de limbo
fiscalizatório, com consequências gravíssimas para o combate à corrupção e à
lavagem de dinheiro, tornando atrativa a instalação das máfias estrangeiras em
território brasileiro”.
É cansativo analisar
essas Notas Técnicas opinativas e políticas produzidas por entidades de classe,
mas comprovam o despreparo e a incompetência destes agentes públicos
responsáveis pela aplicação das leis.
Vamos aos fatos:
Inicialmente, o
documento afirma que o PL 442/91 encontra-se atualmente no Senado Federal “em
regime de urgência”. Não é verdade, pois o presidente senador Rodrigo Pacheco
ainda não definiu o regime de tramitação da proposta no Senado Federal.
A nota critica os
argumentos elencados pelos defensores como “1. Diminuição da atividade
criminosa relacionada aos jogos de azar; 2. Geração de impostos e empregos; 3.
Apoio e tratamento aos portadores de transtorno do jogo – que teriam uma rede
especializada a partir dos recursos oriundos das atividades da jogatina”. É
indiscutível que o jogo legal proporciona estes benefícios.
Manter os jogos na
ilegalidade é uma forma de alimentar ‘a indústria da proibição’, que é muito
mais perigosa e que provoca muitos mais danos à sociedade através da corrupção
e dos esquemas de propina. A ilegalidade alimenta a corrupção e como nos ensina
o ministro do STF, André Mendonça: “Onde não há Estado, há crime organizado”.
Quando afirmam que o
jogo legal “só amplificam desmedidamente as mazelas e até a morte ao dependente
de jogos, causando dor indizível a sua família”, a Nota Técnica entra no mérito
da questão da moral e dos bons costumes da Dona Santinha.
Para os procuradores
a MP 168/04 ainda está vigente
O documento dos
procuradores informa erroneamente que em 2004 foi editada uma Medida Provisória
para proibir o funcionamento dos bingos e caça-níqueis. “Os efeitos da MP se
sobrepuseram a todas as leis estaduais que tratavam do funcionamento dessas
casas, inclusive sobre eventuais pedidos de liminares impetrados na Justiça por
empresários do setor”.
Se os procuradores
tivessem pesquisado no Google teriam descoberto que a Medida Provisória 168/04
proibia somente os bingos e que foi rejeitada pelo Senado por 32 votos contra
31. Saberiam também que as legislações estaduais foram proibidas em 2007 com a
edição pelo Supremo Tribunal Federal da Súmula Vinculante nº 2: “É
inconstitucional a lei ou ato normativo estadual ou distrital que disponha
sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias”.
Comissão Especial do
Marco Regulatório dos Jogos
Outro absurdo do
documento é afirmar que “No ano de 2016, deputados federais de diversos matizes
ideológicos se uniram e trocaram de novo o verniz dos jogos de azar.
Conseguiram, dessarte, aprovar regime de “urgência” na votação do projeto
original 442/91 e criaram um eufemismo: não existem jogos de azar e sim jogos
de fortuna”. Na verdade, foi aprovado um relatório substitutivo ao PL 442/91
pela Comissão Especial do Marco Regulatório dos Jogos no Brasil.
Entidade reguladora e
fiscalizadora
Somente estes dois
erros já desqualificam a Nota Técnica, mas a análise técnica comprova a total
ignorância dos procuradores ao afirmar que “Por exemplo: nada se disse
propositalmente sobre quem de fato seriam os agentes públicos fiscalizadores do
zoológico ou dos demais jogos. Sequer as competências fiscalizatórias foram
detalhadas. Seria a Polícia Federal, o COAF, a Caixa Econômica Federal, o
Fisco? Só jogando os dados para se saber”.
O Legislativo não
pode definir a entidade fiscalizadora ou mesmo a criação de uma agência
reguladora para a nova atividade, pois seria tratado como vício de iniciativa.
A modificação do regime jurídico pelo Legislativo é considerada formalmente
inconstitucional, pois deve ser iniciada pelo chefe do Poder Executivo. Apenas
o Executivo pode propor a criação desta entidade ou definir o ministério que
vai regular a atividade. Pela legislação atual, seria o Ministério da Economia.
Critica aos avanços
do substitutivo
O documento também
critica alguns mecanismos considerados como avanços no substitutivo ao PL
442/91 aprovado em fevereiro pelo plenário da Câmara dos Deputados como Sistema
Nacional de Jogos e Apostas (SINAJ) e Registro Nacional dos Proibidos –
Renapro.
A nota chega ao
ridículo de citar a Lei Maria da Penha ao vincular que a violência doméstica
vai aumentar com a legalização dos jogos.
Segundo o documento a
legalização dos jogos vai gerar: “1) serão cooptados brasileirinhos, cujos
cérebros estão em desenvolvimento e carecem de plena proteção, para que logo,
logo, tornem-se consumidores/dependentes de jogos e drogas; 2) aposentadorias
dos idosos a se evaporar – a tragédia dos bingos já demonstrou a que serviram
esses estabelecimentos quando vicejavam entre nós; 3) um tsunami de lavagem de
dinheiro do lado de baixo do Equador – com incremento da prostituição,
corrupção em todos os níveis, em um exército de CPFs alaranjados”.
Quem é contra o jogo
legal é a favor do ilegal
Ao final da Nota o
CNPG se posiciona, “com veemência, contra a legalização dos jogos de azar no
nosso país. Parece evidente que sua concretização trará mais custos do que
benefícios, imagem clara da desproporcionalidade política “econômica” estampada
nas justificativas constantes do projeto em análise”.
Ou seja, na opinião
do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais o jogo deve continuar na
clandestinidade ou os procuradores acreditam que no Brasil não tem jogo?
Ministério Público
político
A Constituição
Federal de 1988 definiu o Ministério Público como fiscal da lei através da
“defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis” e responsável por garantir que todos se comportem de
acordo com a legislação vigente. Mas em nenhum momento foi atribuído ao MP à
competência de formular ou opinar sobre as leis que tramitam no parlamento.
Os procuradores
utilizam fachadas como o CNPG, para se manifestarem politicamente sobre
projetos de interesse da sociedade que tramitam no Congresso. Estão na verdade,
usurpando uma competência que não é deles. Deveriam seguir a maior autoridade
do Ministério Público no país que é Procurador-Geral da República, Augusto
Aras, que destacou em duas oportunidades que a questão é política e não
jurídica, e que eventual atuação do MPF nesse sentido somente será possível em
caso de a proposta, após ser aprovada pelo Parlamento, apresentar alguma
inconstitucionalidade.
Acompanhar a postura
do Procurador-Geral da República, além de ser o correto, evitaria que
procuradores produzissem notas técnicas ridículas comprovando a incompetência
de quem produz estes documentos.
A pergunta é: a quem
interessa manter o jogo na ilegalidade?
Fonte: BNLData