GANHAM O ESTADO E A SOCIEDADE

Estado e sociedade devem enfrentar a questão do jogo no Brasil

Artigo do presidente do IJL na publicação “i-Gaming na América do Sul” editada pelo Grupo Argentino Yogonet.com

Um total de 17 especialistas, entre advogados, executivos e técnicos oferece sua visão de como criar um ambiente propício para o jogo on-line na região, entre eles tem um artigo do presidente do IJL e editor do BNL, Magnho José. Como a publicação foi editada em inglês e espanhol, postamos uma versão em português do “Estado e sociedade devem enfrentar a questão do jogo no Brasil”.

Estado e sociedade devem enfrentar a questão do jogo no Brasil

Magnho José *


O Brasil tem uma legislação incompatível com o novo ordenamento jurídico da sociedade da informação e do conhecimento no que tange os jogos de aposta em dinheiro. O país tem uma das legislações mais atrasada e antiquada na área de loteria e jogos do mundo. As loterias foram reconhecidas como serviço público pelo Decreto nº 21.143, de 1932. O Decreto-Lei nº 3.688, de 1941, transformou o Jogo do Bicho em contravenção penal, e o Decreto-Lei nº 9.215, de 1946, proibiu os cassinos e os jogos de apostas a dinheiro em geral no país. Ou seja, depois de 46 anos da última lei, ainda não enfrentarmos a questão da atualização do marco regulatório para esta atividade.

O longo período de proibição do jogo no Brasil, cerca de 72 anos, acabou rotulando equivocadamente esta atividade como uma questão moral, a exemplo do aborto e das drogas. Com frequência somos perguntados sobre os motivos do longo período de ilegalidade do jogo, enquanto em praticamente todos os países da América Latina o jogo é legalizado e regulamentado. Temos dificuldades em responder esta pergunta já que não existem fatos explícitos que justifiquem, mas sim o elenco de motivos.

De todo modo, a legislação proibitiva não alterou o cenário de ilegalidade do jogo no Brasil, que movimenta, anualmente, em apostas clandestinas mais R$ 18,9 bilhões com o jogo do bicho (R$ 12 bi), bingos (R$ 1,3 bi), caça-níqueis (R$ 3,6 bi) e apostas esportivas, i-Gaming e pôquer pela internet (R$ 2 bi), segundo estudo desenvolvido pelo Boletim de Notícias Lotéricas – BNL. Portanto, o jogo ilegal no Brasil movimenta quase o dobro que os R$ 12.1 bilhões dos jogos oficiais, se somados os R$ 11,4 bilhões das loterias da Caixa Econômica Federal, R$ 400 milhões das Loterias Estaduais e R$ 300 milhões do turfe, sem nenhuma contrapartida destes recursos para o Estado e para a sociedade.

Em todo o mundo, jogos e loterias só se justificam se tiverem uma destinação social para seus recursos e compete ao Estado o ordenamento e a fiscalização dos concursos de prognósticos e dos jogos, bem como a definição da arrecadação com este serviço. Cabe ao parlamento a definição das áreas sociais onde os recursos serão aplicados, sendo assim no México (educação e saúde); Irlanda (cultura e esporte); Finlândia (esporte, ciências e artes); Canadá (hospitais e ações sociais); Inglaterra (artes, esporte, ações sociais e saúde); Noruega (esporte, cultura e pesquisas); Bélgica (deficientes físicos e cultura); Alemanha (cultura, ações sociais, esporte e educação); Portugal (saúde e bem estar de crianças); Estados Unidos (educação e saúde); Porto Rico (saúde); Holanda (educação); Dinamarca (educação); dentre outros.

Jogos legalizados ao redor do mundo
Entre os 193 países-membros da Organização das Nações Unidas (ONU), 75,52% têm o jogo legalizado e regulamentado, sendo que o Brasil está entre os 24,48% que não legalizaram esta atividade. Já entre os 156 países que compõem a Organização Mundial do Turismo, 71,16% tem o jogo legalizado, mas vale ressaltar que entre os 28,84% (45 países) que não legalizaram a atividade, 75% são islâmicos e tem a motivação na religião. Nem todas as nações islâmicas proíbem jogos, caso do Egito e Turquia, países de maioria islâmica, mas que permitem os jogos.

Aprofundando esta questão georeferencida, vale destacar que entre os 34 países que formam a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento ou Econômico – OCDE, chamados de grupo dos países ricos ou desenvolvidos, apenas a Islândia não permite jogos em seu território. Já na perspectiva do G20 – grupo de países que o Brasil pertence –, 93% das nações têm os jogos legalizados em seus territórios, sendo que apenas 6,97% ou três países não permitem: Brasil, Arábia Saudita e Indonésia. Vale lembrar que os dois últimos são islâmicos.

Segundo a World Lottery Association (WLA), no ano de 2013 a indústria do jogo movimentou US$ 440 bilhões. O mercado mundial de sports betting ou apostas esportivas em 2012 faturou US$ 58 bilhões, assegurando 13,8% do faturamento total em jogos. O mercado global de apostas esportivas vai chegar a US$ 70 bilhões em 2016, de acordo com as estimativas feitas pelo estudo elaborado pela Global Betting & Gaming Consultants. Neste mercado, A Grã Bretanha se destaca com o faturamento bruto de US$ 4,7 bilhões em 2012, de acordo com a Gambling Commission. Eventos relacionados à realeza do país estão entre os favoritos e com apostas que vão das mais triviais às mais complexas.

O mercado de “live bet” (apostas esportivas durante as partidas) está em pleno crescimento e o “live cassino” também está em expansão, onde o apostador acompanha as partidas em tempo real através de câmeras e com a presença de crupiê.

Também é indiscutível o avanço do pôquer tanto no ambiente da internet como em salas e clubes no Brasil. Estima-se que apenas nos sites online existam 2,5 milhões de brasileiros cadastrados e que pelo menos 50% joga todos os dias.  Somado a este número, temos milhares de jogadores que preferem o pôquer presencial. Os primeiros torneios recebiam 100 inscrições, hoje são de 1 a 2 mil participantes. A expansão do pôquer no mundo se deve aos encaminhamentos institucionais voltados para torná-lo um jogo da mente e não um jogo de azar, mas representantes de instituições governamentais estão fechando estes clubes por elo pelo fato de existir um frágil ambiente legal.

Jogo de aposta em ambientes virtuais

Independente da legislação brasileira, especialistas já estudam as operações atuais do mercado apostas pela internet no país. O estudo desenvolvido pelo Boletim de  Notícias Lotéricas – BNL estima que os brasileiros apostam anualmente, através de sites, cerca de R$ 2 bilhões nas modalidades de bingo, videobingo, cassino, apostas esportivas e pôquer. Este jogo apátrida não reverte nenhuma contrapartida financeira, tão necessária para custear o desenvolvimento de setores carentes de recursos como no caso da saúde.

Visão míope do governo com relação ao potencial do mercado de jogos, falta de informações dos parlamentares com relação aos controles e fiscalização, escândalos políticos envolvendo operadores clandestinos, entre outras questões podem servir para explicar a falta de disposição para enfrentar a questão de uma legislação específica para o setor.

A internet derrubou as fronteiras, permitiu ao apostador entrar nos cassinos e bingos virtuais, enquanto os estabelecimentos similares, em terra firme, estão fechados no Brasil. Os cassinos virtuais têm seus registros em países onde o jogo não é proibido. A operação destas empresas é realizada em variados pontos no exterior, sob a autorização legal do governo local.

Frente aos dispositivos legais que proíbem os jogos privados de apostas em dinheiro no país, a atividade realizada através de empresas privadas eletrônicas que utilizam como suporte a rede internacional de computadores, pode servir de paradigma para o encaminhamento de uma nova legislação setorial coerente com as atuais possibilidades de mercado.

O Brasil perdeu a Copa do Mundo e a oportunidade de regulamentar as apostas esportivas durante o evento esportivo em que mais se aposta no mundo. Com a proximidade dos Jogos Olímpicos, o Congresso Nacional analisa atualmente duas propostas, uma que tramita na Câmara dos Deputados e outra no Senado Federal, que visam criar um marco regulatório para o setor de jogos. A regulamentação das apostas antes das Olimpíadas de 2016 permitiria ao país tirar proveito dessa oportunidade única para gerar uma oferta a mais de entretenimento e favorecer a economia nacional com a arrecadação e geração de empregos e investimentos correspondentes.

Apesar do Carnaval, futebol e mulatas, o Brasil é um país conservador. Isto vale para os parlamentares, que formulam as leis e parte da imprensa, que se posiciona sempre contrária a legalização todas as vezes que um projeto avança no Congresso Nacional. Discursos contrários que usam a patologia, lavagem de dinheiro e ausência de controle como argumentos é parte do lobby dos que pretendem manter o jogo na ilegalidade.

Não é verdadeira a afirmação de que o Estado não tem condições de controlar e fiscalizar estas operações. A Caixa controla, online de Brasília, mais de 34 mil terminais instalados em 12,6 mil lotéricas em mais de 4,5 mil municípios. A Receita Federal tem um dos sistemas de controle do Imposto de Renda mais competentes do mundo e a Justiça Eleitoral controla 420 mil urnas eletrônicas e divulga o resultado das eleições em apenas 5 horas. Ou seja, com a tecnologia de ponta brasileira disponível, o argumento de que essas atividades poderiam ser mais propícias à lavagem de dinheiro se legalizadas não é válido.

Além disso, o comportamento patológico não é privilégio dos jogos de azar. Pesquisadores estimam que de 1 a 3% da população têm uma relação doentia com o jogo. No Brasil não existem dados seguros sobre a situação devido à clandestinidade, mas o conceito mundial de ludopatia vem mudando com introdução do sistema de ‘Auto-exclusão’, que pode ser requerido pelo apostador ou por um familiar.

O Brasil tem que amadurecer e enfrentar a questão do jogo de forma pragmática, sem o envolvimento de questões de ordem moral ou religiosa. É necessário enfrentar a questão da legislação de jogos tal como vêm fazendo nossos vizinhos, Chile, Colômbia, Peru e Panamá. Dentro desta proposta também deveriam ser incluídos os bingos, videobingos, cassinos e, porque não, o centenário jogo do bicho, que poderiam gerar uma arrecadação potencial de quase US$ 45 bilhões anualmente.

Cadeia produtiva do Jogo
Além da exportação do nosso consumo local na área de jogos, também perdemos oportunidades mercadológicas da cadeia produtiva do jogo. Durante o período em que os bingos estiveram legalizados, várias empresas produziam software e máquinas de videobingos em território brasileiro, entretanto, o governo brasileiro fez com que o Ministério da Fazenda editasse várias Instruções Normativas para dificultar a montagem destes equipamentos no país.

Esta visão da indústria de jogos e entretenimento faz com que o país perca empregos e dividendos neste segmento. Após a proibição do jogo e da produção destes equipamentos, algumas destas empresas tiveram que transferir suas fábricas para outros países como os Estado Unidos, Espanha e México, entre outros. ZITRO (www.zitrogames.com) e FBM (www.fbmgaming.com) e SHOCK MACHINE (www.shockmachine.com.br) são algumas das empresas de brasileiros que fazem sucesso no segmento de jogos e entretenimento no exterior.  Podemos inclusive afirmar que as principais casas de jogos do mundo utilizam máquinas de videobingos com DNA de tecnologia brasileira em seus estabelecimentos.

O brasileiro Johnny Ortiz, presidente da ZITRO está sendo responsável pela modernização e revitalização do jogo de bingo e videobingo na Espanha. Além dos equipamentos e sistemas, foi à primeira operadora a promover o Bingo Eletrônico Interconectado em rede entre Comunidades Autônomas (equivalente ao Estado no Brasil) daquele país e transformou sua empresa em líder mundial de máquinas de videobingo.

O Brasil poderia aprender com experiências positivas de outros países e até mesmo blocos, como a apresentada pelo deputado alemão Jürgen Creutzmann à Comissão do Mercado Interno e da Proteção dos Consumidores do Parlamento Europeu sobre jogos online. Ele afirma em seu relatório que “os operadores ilegais não pagam impostos e assim também não contribuem para a sociedade”.

Portanto, é imperativo que a sociedade discuta a necessidade de legalização dessas modalidades para retirá-las das mãos dos operadores ilegais. O que não é mais possível é que o governo, parlamento e sociedade se omitam na questão da legalização dos jogos de apostas em dinheiro administrado pela iniciativa privada no país. Cabe aos três poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário, discutir a possibilidade de enfrentar a questão da criação de um marco regulatório legal para a atividade do jogo no Brasil, a exemplo de outros países, que o acolheram no seu sistema jurídico, pois perceberam que existindo demanda “alguém” vai prestar o serviço.

(*) Magnho José é jornalista especializado em loterias e apostas, editor do BNLData, consultor Técnico da Associação Brasileira de Loterias Estaduais - ABLE e da Associação Brasileira de Bingos - ABRABIN, presidente do Instituto Brasileiro Jogo Legal – IJL e professor do curso de pós-graduação em Comunicação Empresarial da Universidade Candido Mendes – RJ